Thursday 29 January 2015

Grécia e União Europeia: Estratégias incompatíveis?

A vitória do Syriza na Grécia é a resposta dos cidadãos a uma agenda de quase cinco anos de austeridade sentida como injusta, excessiva e interminável.

É uma reacção com a qual muitos outros europeus se identificarão e que equivale ao meu "Basta!" de há dois anos a um processo de ajustamento que parece não levar a lado nenhum e que, pelo contrário, levou as pessoas a uma situação de angústia e desesperança.

Todas as críticas que fomos fazendo à troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) quer em termos de substância - a imposição de um ajustamento brutal num período de tempo demasiado curto, sem espaço para reajustar trajectórias e que, além disso, não produziu os resultados esperados - quer no que se refere à falta de controle político sobre as suas decisões, ficaram infelizmente bem ilustradas no caso grego.

Ainda em Dezembro último, com a eleição do presidente da república a agitar a agenda política, a troika recusou fechar o programa de ajuda externa da Grécia e libertar a última tranche dos empréstimos europeus, exigindo mais "reformas estruturais" e mais centenas de milhões de euros de ajustamento.

Quem responde pelas consequências políticas desta e de outras decisões da troika?

Impor sacrifícios adicionais a um país exausto que perdeu no processo de ajustamento mais de 25% da riqueza nacional, tem metade dos jovens no desemprego e se debate com um nível de pobreza brutal é insuportável.

Todo este processo empurrou politicamente o eleitorado para fora dos partidos moderados e pró-europeus que, à esquerda (o PASOK quase desapareceu) e à direita, tentaram ir interpretando e assumindo as recomendações da troika.

A primeira lição a tirar deste resultado é que ou a União Europeia dá aos partidos democráticos e pró-europeus a oportunidade de encontrarem as soluções necessárias, ou estaremos a empurrar a Europa para partidos extremistas e anti-europeus.

Em França e Itália, ao lado de Governos que parecem ser a última chance europeísta, são os partidos anti-euro que ganham todos os dias mais popularidade e peso.

Há aqui um grande risco mas também uma grande oportunidade. Apesar de não ser maioritário a nível europeu, o centro-esquerda tem vindo a conseguir alterar aos poucos a agenda europeia, sem quebrar mas "torcendo". É o caso da flexibilidade finalmente admitida no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) ou do novo fundo europeu de investimento.

É preciso, ao nível europeu, dar espaço às alternativas - e elas existem! - de mudança e de reformas, sem os exageros patrocinados pela direita mas também sem os riscos brutais que os extremos anti-europeus protagonizam.

No caso grego, a grande questão do momento é saber se, uma vez chegados aqui, estamos ainda num ponto em que o diálogo é possível, mesmo que eventualmente musculado, ou se se tornou inviável. Esta segunda hipótese é preocupante! Não vejo nada de bom numa ruptura. Já não via em 2010-2011 e continuo a não ver.

Vejo em contrapartida que o Syriza chegou ao poder corporizando uma reacção de rejeição do processo de ajustamento por parte dos cidadãos mas, ao mesmo tempo, com uma agenda em que poderá estar a criar as condições para não negociar e romper.

Este risco resulta nomeadamente da sua aliança com um partido (Gregos Independentes) que não quer compromissos nem é europeísta e que tem uma atitude do tipo de "quanto pior melhor". Tsipras tinha outras alternativas, por exemplo o To Potami (centro esquerda, europeísta), mas não quis. O sinal que envia é de uma posição de negociação muito rígida ou mesmo de não negociação.

Estes sinais estão a gerar uma reacção quase epidérmica de endurecimento de posições por parte dos países da zona euro, em particular da Alemanha.

Espero que a França e Itália - e penso que François Hollande e Matteo Renzi se estão a posicionar para isso - dois grandes países que percebem melhor o diálogo entre o Norte e o Sul e são neste momento liderados por forças políticas de esquerda, possam fazer uma ponte, o que começa por um alargamento dos prazos de amortização da dívida grega e por um alívio rápido da austeridade.

Se não for possível fazer a ponte, temo que se avizinhem tempos muito complicados. Qualquer má avaliação do risco pode provocar um problema gravíssimo não só para a Grécia mas também a nível europeu e mesmo internacional.

Alguns sinais sugerem por outro lado que a Grécia poderá estar a fragilizar a já débil política externa da UE aproximando-se da Rússia e minando a estratégia dos europeus face à Ucrânia.

Igualmente preocupante é o facto de o Syriza não parecer minimamente disponível para aplicar aquelas componentes das políticas de ajustamento que faziam sentido, e que estavam negociadas com a troika. Algumas das opções políticas já assumidas, como o aumento em 30% do salário mínimo de um dia para o outro ou os recuos aparentes em passos que já tinham sido dados, nomeadamente na reforma da administração pública, são de sustentabilidade duvidosa e agravam seriamente o risco de incumprimento do défice e da dívida, inviabilizando as negociações com a União.

Do lado dos países dominantes da UE, por seu lado, há um recurso sistemático à crítica quase caricatural da Grécia, o que também não ajuda. Já tivemos caricaturas que chegassem. Humilhar cidadãos desesperados que não têm culpa directa de problemas relativos à desorganização do Estado ou do sistema de cobrança de impostos é contraproducente e desumano.

É lamentável que depois do enorme esforço que os gregos efectivamente fizeram, se chegue ao fim a fazer exactamente as mesmas críticas que se faziam no início do processo de ajustamento.

Pelos vistos, as tais reformas estruturais impostas pela troika incidiram em tudo menos no que era necessário e não atingiram objectivos fundamentais, como a organização da máquina administrativa.

Tudo isto ilustra bem um dos argumentos centrais do relatório que fizemos no Parlamento Europeu há um ano sobre a troika e sobre a necessidade de lhe pôr fim: a troika não demonstrou capacidade para fazer programas de ajustamento eficazes nem confiáveis, com a agravante de que a ausência de legitimidade política e controle democrático das suas decisões a torna perigosamente inimputável.

Que saída?

Neste momento o mais urgente é perceber exactamente o que é que o novo Governo grego vai propor à UE. Há muitos pontos na sua agenda que fazem todo o sentido, mas a questão é saber se a agenda é aquela que conhecemos ou se esta é apenas a ponta do iceberg. Faz sentido colocar na agenda europeia a questão de uma conferência de dívida - em que os credores possam debater abertamente as condições do reembolso, incluindo a possibilidade de um reescalonamento,  períodos de carência, ou até a eventualidade de um perdão parcial.

Este é um debate que faz todo o sentido, como faz todo o sentido abrandar o ritmo do ajustamento utilizando a flexibilidade do Pacto de Estabilidade, como nos fartámos de propor.

Há muitas propostas do Syriza que fazem sentido. Mas ao entrar numa aliança com um partido eurocéptico, ao decidir um aumento imediato e brutal das despesas públicas, e ao aparentemente abrir uma brecha na política externa europeia face à Rússia, Tsipras está a dar sinais de que talvez a sua agenda seja muito mais complicada do que aquela que conhecíamos, e que nos parecia gerível.

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