É uma reacção com a qual
muitos outros europeus se identificarão e que equivale ao meu "Basta!"
de há dois anos a um processo de ajustamento que parece não levar a lado nenhum
e que, pelo contrário, levou as pessoas a uma situação de angústia e desesperança.
Todas as críticas que fomos
fazendo à troika (Comissão Europeia,
Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) quer em termos de
substância - a imposição de um ajustamento brutal num período de tempo demasiado
curto, sem espaço para reajustar trajectórias e que, além disso, não produziu os
resultados esperados - quer no que se refere à falta de controle político sobre
as suas decisões, ficaram infelizmente bem ilustradas no caso grego.
Ainda em Dezembro
último, com a eleição do presidente da república a agitar a agenda política, a troika recusou fechar o programa de
ajuda externa da Grécia e libertar a última tranche dos empréstimos europeus, exigindo
mais "reformas estruturais" e mais centenas de milhões de euros de
ajustamento.
Quem responde pelas
consequências políticas desta e de outras decisões da troika?
Impor sacrifícios
adicionais a um país exausto que perdeu no processo de ajustamento mais de 25%
da riqueza nacional, tem metade dos jovens no desemprego e se debate com um
nível de pobreza brutal é insuportável.
Todo este processo empurrou
politicamente o eleitorado para fora dos partidos moderados e pró-europeus que,
à esquerda (o PASOK quase desapareceu) e à direita, tentaram ir interpretando e
assumindo as recomendações da troika.
A primeira lição a tirar
deste resultado é que ou a União Europeia dá aos partidos democráticos e
pró-europeus a oportunidade de encontrarem as soluções necessárias, ou
estaremos a empurrar a Europa para partidos extremistas e anti-europeus.
Em França e Itália, ao
lado de Governos que parecem ser a última chance europeísta, são os partidos
anti-euro que ganham todos os dias mais popularidade e peso.
Há aqui um grande risco
mas também uma grande oportunidade. Apesar de não ser maioritário a nível
europeu, o centro-esquerda tem vindo a conseguir alterar aos poucos a agenda
europeia, sem quebrar mas "torcendo". É o caso da flexibilidade
finalmente admitida no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) ou do novo
fundo europeu de investimento.
É preciso, ao nível
europeu, dar espaço às alternativas - e elas existem! - de mudança e de
reformas, sem os exageros patrocinados pela direita mas também sem os riscos
brutais que os extremos anti-europeus protagonizam.
No caso grego, a grande
questão do momento é saber se, uma vez chegados aqui, estamos ainda num ponto
em que o diálogo é possível, mesmo que eventualmente musculado, ou se se tornou
inviável. Esta segunda hipótese é preocupante! Não vejo nada de bom numa
ruptura. Já não via em 2010-2011 e continuo a não ver.
Vejo em contrapartida que
o Syriza chegou ao poder corporizando uma reacção de rejeição do processo de
ajustamento por parte dos cidadãos mas, ao mesmo tempo, com uma agenda em que
poderá estar a criar as condições para não negociar e romper.
Este risco resulta nomeadamente
da sua aliança com um partido (Gregos Independentes) que não quer compromissos
nem é europeísta e que tem uma atitude do tipo de "quanto pior
melhor". Tsipras tinha outras alternativas, por exemplo o To Potami
(centro esquerda, europeísta), mas não quis. O sinal que envia é de uma posição
de negociação muito rígida ou mesmo de não negociação.
Estes sinais estão a
gerar uma reacção quase epidérmica de endurecimento de posições por parte dos
países da zona euro, em particular da Alemanha.
Espero que a França e
Itália - e penso que François Hollande e Matteo Renzi se estão a posicionar
para isso - dois grandes países que percebem melhor o diálogo entre o Norte e o
Sul e são neste momento liderados por forças políticas de esquerda, possam
fazer uma ponte, o que começa por um alargamento dos prazos de amortização da
dívida grega e por um alívio rápido da austeridade.
Se não for possível
fazer a ponte, temo que se avizinhem tempos muito complicados. Qualquer má
avaliação do risco pode provocar um problema gravíssimo não só para a Grécia
mas também a nível europeu e mesmo internacional.
Alguns sinais sugerem por
outro lado que a Grécia poderá estar a fragilizar a já débil política externa
da UE aproximando-se da Rússia e minando a estratégia dos europeus face à
Ucrânia.
Igualmente preocupante é
o facto de o Syriza não parecer minimamente disponível para aplicar aquelas
componentes das políticas de ajustamento que faziam sentido, e que estavam
negociadas com a troika. Algumas das
opções políticas já assumidas, como o aumento em 30% do salário mínimo de um
dia para o outro ou os recuos aparentes em passos que já tinham sido dados,
nomeadamente na reforma da administração pública, são de sustentabilidade
duvidosa e agravam seriamente o risco de incumprimento do défice e da dívida, inviabilizando
as negociações com a União.
Do lado dos países
dominantes da UE, por seu lado, há um recurso sistemático à crítica quase
caricatural da Grécia, o que também não ajuda. Já tivemos caricaturas que
chegassem. Humilhar cidadãos desesperados que não têm culpa directa de problemas
relativos à desorganização do Estado ou do sistema de cobrança de impostos é contraproducente
e desumano.
É lamentável que depois do
enorme esforço que os gregos efectivamente fizeram, se chegue ao fim a fazer
exactamente as mesmas críticas que se faziam no início do processo de
ajustamento.
Pelos vistos, as tais
reformas estruturais impostas pela troika
incidiram em tudo menos no que era necessário e não atingiram objectivos
fundamentais, como a organização da máquina administrativa.
Tudo isto ilustra bem um
dos argumentos centrais do relatório que fizemos no Parlamento Europeu há um
ano sobre a troika e sobre a necessidade
de lhe pôr fim: a troika não demonstrou
capacidade para fazer programas de ajustamento eficazes nem confiáveis, com a
agravante de que a ausência de legitimidade política e controle democrático das
suas decisões a torna perigosamente inimputável.
Que saída?
Neste momento o mais urgente é perceber exactamente o que é que o novo Governo grego vai propor à UE. Há muitos pontos na sua agenda que fazem todo o sentido, mas a questão é saber se a agenda é aquela que conhecemos ou se esta é apenas a ponta do iceberg. Faz sentido colocar na agenda europeia a questão de uma conferência de dívida - em que os credores possam debater abertamente as condições do reembolso, incluindo a possibilidade de um reescalonamento, períodos de carência, ou até a eventualidade de um perdão parcial.
Este é um debate que faz
todo o sentido, como faz todo o sentido abrandar o ritmo do ajustamento utilizando
a flexibilidade do Pacto de Estabilidade, como nos fartámos de propor.
Há muitas propostas do
Syriza que fazem sentido. Mas ao entrar numa aliança com um partido eurocéptico,
ao decidir um aumento imediato e brutal das despesas públicas, e ao
aparentemente abrir uma brecha na política externa europeia face à Rússia, Tsipras
está a dar sinais de que talvez a sua agenda seja muito mais complicada do que aquela
que conhecíamos, e que nos parecia gerível.
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