Friday 19 December 2014

Novo regime europeu de resolução bancária a partir de 1 de Janeiro

O Parlamento Europeu (PE) tomou esta semana duas decisões cruciais para a constituição de um regime europeu de resolução - reestruturação ou liquidação - dos bancos falidos ou em risco de falência.

Uma dessas decisões refere-se à legislação que determina o cálculo das contribuições dos bancos para os fundos de resolução. Estes fundos - essenciais para proteger os contribuintes do seu envolvimento financeiro em processos de resolução bancária - serão criados a partir de 1 de Janeiro próximo segundo regras comuns aos 28 Estados Membros da União Europeia (UE) e têm o objectivo de apoiar financeiramente o processo de liquidação ou reestruturação das instituições falidas ou em risco de falir. Passará a ser a banca a arcar com os custos causados pelas suas perdas, evitando-se ao máximo o envolvimento dos contribuintes, como tem acontecido com frequência nos últimos anos.
Para a constituição destes fundos, um novo Regulamento vem especificar os termos do cálculo das contribuições dos bancos em proporção do risco que representam para o sistema financeiro. Os bancos de maior risco terão de pagar mais do que os mais seguros.

Os bancos pequenos - com activos que não excedam 1000 milhões de euros e passivos (excluídos dos capitais próprios e depósitos garantidos) até 300 milhões de euros - beneficiam de um regime particularmente favorável: a quantia que terão de pagar é fixa e inferior à que lhes caberia se os cálculos fossem feitos nos termos gerais, admitindo-se que, em regra, introduzem no sistema um risco reduzido. Também bancos médios (com activos que não excedam 3000 milhões de euros) beneficiam de um regime especial, o que significa que a "grande fatia" ficará a cargo dos grandes bancos.

Estas novas regras serão aplicáveis à totalidade dos 28 Estados Membros da UE. Os bancos sediados nos países da União Bancária (os 18 membros da zona euro a que se juntará em Janeiro a Lituânia e os países da UE que decidam aderir) terão no entanto uma especificidade: a partir de 1 de Janeiro de 2016, o Fundo de Resolução será Comum e Europeu, e será preenchido durante 8 anos até atingir um volume global a rondar os 55.000 milhões de euros.

A outra decisão, também no contexto da União Bancária, foi a nomeação do Conselho de Resolução (Single Resolution Board), a nova Agência Europeia de Resolução Bancária que terá a cargo a tomada das decisões em matéria de resolução da União Bancária. O Conselho de Resolução terá como Presidente Elke König, e como Vice-Presidente Timo Löyttyniemi. Serão ainda membros do Conselho de Resolução Mauro Grande, Antonio Carrascosa, Joanne Kellermann e Dominique Laboureix.

Os membros do Board foram nomeados depois de um processo em que o PE começou por ouvir todos os candidatos que chegaram à última fase de selecção e aprovou a proposta final da Comissão Europeia, também aprovada pelo Conselho da União Europeia. Este Single Resolution Board é “a cabeça” do Mecanismo Único de Resolução que estará a funcionar em pleno a partir de 1 de Janeiro de 2016 - e de que a eurodeputada socialista portuguesa Elisa Ferreira foi a relatora do PE- : a partir desta data, a resolução dos bancos mais significativos de cada país da União Bancária já não será tratada por autoridades nacionais, mas sim por esta agência. Depois de, em 4 de Novembro passado, estes bancos terem começado a ser supervisionados pelo Banco Central Europeu em substituição das autoridades nacionais de supervisão prudencial, também a sua reestruturação/liquidação terá de passar a ser competência de nível europeu, e já não nacional.

Com esta decisão do PE, o Board poderá começar a funcionar no próximo dia 1 de Janeiro.
Ao longo de 2015, o Board dedicar-se-á aos trabalhos preparatórios dos planos de resolução dos bancos sob a sua responsabilidade. Isto porque, face às características de cada banco, a autoridade de resolução tem de planear – tanto quanto é possível planear eventos desta natureza… – os termos em que o banco, se chegar a uma situação de falência, deverá ser resolvido.

A partir de 1 de Janeiro de 2016, o Board terá plenos poderes não só ao nível do planeamento mas também dos actos da resolução propriamente dita.

Tuesday 16 December 2014

Intervenção no debate sobre "Governação económica Revisão dos regulamentos Six Pack e Two Pack"

Intervenção no debate sobre "Governação económica Revisão dos regulamentos Six Pack e Two Pack" (video)

Por favor, mudem a agenda da austeridade!

Não, o ajustamento europeu não funcionou. Passaram seis anos desde o início da crise e a União Europeia neste momento contrasta com os outros blocos internacionais. A economia europeia está estagnada, nalgumas zonas está em deflação, há 25 milhões de desempregados, há uma dívida pública insuportável e os desequilíbrios internos são enormes. Politicamente estamos à beira da ruptura.

O motor anti-crise previsto na moeda única era a política monetária, mas está esgotado: as taxas de juro estão próximas de zero e mesmo assim a economia não reage.

Neste quadro assustador, a Comissão Europeia, ao pensar a economia para 2015, propõe uma política orçamental neutra, não expansionista, apenas abranda a austeridade. Perante isto, pergunto: numa zona que já não tem política cambial, tem a política monetária neutralizada pela crise, o que mais terá de acontecer para que a Comissão proponha uma política orçamental anti-cíclica?

O plano de investimento de Jean-Claude Juncker é claramente bem vindo, mas infelizmente não há estímulo artificial que compense a falta de actividade económica.

Neste momento, olhando para o Six Pack, vemos que o que está previsto na lei é que o processo de ajustamento se possa desviar da trajectória em três circunstâncias: se houver um abrandamento severo da economia, se houver um choque externo que não dependa da vontade dos Estados membros e se forem aplicadas reformas estruturais para o reforço da competitividade. Mas verdadeiras reformas estruturais, não cortes de curto prazo.

E eu pergunto: tem sido isto que a Comissão Europeia tem aplicado? Não. Todos os ajustamentos no calendário de acerto das contas públicas têm sido apresentados como uma concessão política. Mas não se trata de nenhuma concessão política, está no texto da lei e é sobre isto que temos de nos concentrar, é sobre isto que temos de alterar a agenda. Porque sem economia e sem emprego não há contas públicas equilibradas.
 
E esta é uma verdade que é clara desde o primeiro momento, que foi seguida noutros blocos económicos e que a Europa se recusa a aceitar em prol de uma ideologia que já neste momento provou que não funciona.
 
Por favor, mudem a agenda.

(Intevenção no debate do Parlamento Europeu sobre "Governação económica Revisão dos regulamentos Six Pack e Two Pack")

 

 

Friday 12 December 2014

Apoio dos Socialistas a Juncker dependente dos Lux Leaks?

As novas revelações, esta semana, sobre os acordos fiscais concluídos entre o Luxemburgo e centenas de multinacionais para lhes permitir evadir o fisco nos países onde operam, só vêm reforçar a necessidade de as instituições europeias responderem a este escândalo com enorme determinação política.

Há quem defenda que o Parlamento Europeu (PE) deveria criar uma comissão de inquérito para investigar estes acordos. Essa eventualidade, que não descarto, não parece todavia resolver o problema de fundo: o PE até poderá ganhar visibilidade mediática, mas agrava-se o risco de que daqui a dois anos as empresas continuem a contornar o fisco enquanto os eurodeputados investigam.
 
Este é o momento de agir, mais do que de apuramento dos factos, tanto mais que o fenómeno da fraude e evasão fiscal é sobejamente conhecido. Um estudo independente encomendado pelo Grupo dos Socialistas e Democratas no PE (S&D) analisou detalhadamente o assunto estimando que a evasão fiscal representava, na União Europeia, em 2012, 1 bilião (milhão de milhões) de euros anuais.
 
Não é tolerável que países que actuam no mesmo mercado e partilham a mesma moeda continuem a praticar uma concorrência fiscal activa, impondo enormes perdas de receitas fiscais aos parceiros.

Infelizmente, a criatividade na criação de esquemas cada vez mais sofisticados para atrair investimentos não é um exclusivo do Luxemburgo, e tem mesmo sido a regra do jogo na UE: as questões fiscais são uma competência nacional e só podem ser objecto de alguma coordenação ao nível europeu se todos os 28 Estados membros estiverem de acordo.

Esta regra da unanimidade tem travado todas as tentativas significativas de avanço nesta área, mas acrescente-se, em abono da verdade, que a Comissão Europeia tem preferido não afrontar os interesses dominantes recuando nas propostas que poderia e deveria ter feito. É isso que tem de mudar. É por isso, também, que o apuramento de factos, que estão bem identificados, não se pode substituir à acção.

Depois de um debate árduo no grupo S&D, o seu presidente, Gianni Pittella, explicitou esta semana que a continuação do apoio dos socialistas à Comissão Europeia de Jean-Claude Juncker está dependente da apresentação de propostas legislativas concretas para resolver o essencial deste problema.

Estas iniciativas terão de assegurar, nomeadamente, a obrigação para as multinacionais de declararem os resultados da sua actividade país a país em todos os países onde operam, incluindo em paraísos fiscais; a criação de uma lista negra europeia de paraísos fiscais; a obrigação para os países da UE de informarem os parceiros de todos os acordos fiscais especiais concluídos com multinacionais; a definição de uma base comum a todos os países da UE para a tributação dos lucros das empresas.

Estas são apenas algumas das áreas em que a Comissão terá de apresentar muito rapidamente propostas legislativas, sem o que, tal como afirmou esta semana o presidente do S&D, os socialistas lhe retirarão o seu apoio. Se assim for, as coisas começarão a endireitar...

 

 

 

Tuesday 9 December 2014

Flexibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) tem de ser aplicada

Entrevista para EuroparlTV sobre a necessidade de a Comissão Europeia aplicar plenamente as regras de governação do euro inscritas no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Estas regras prevêem que os países que enfrentam situações económicas adversas podem ter mais tempo para atingir as metas fixadas em termos de ajustamento orçamental.
 
Ao condicionar a concessão de tempo adicional à realização de reformas das economias, a Comissão Europeia não está a aplicar as regras. Será que a Comissão se esqueceu de que uma das principais missões que lhe são impostas pelos Tratados europeus é, precisamente, garantir a correcta aplicação da legislação comunitária em toda a União Europeia?
 

 
 

Friday 5 December 2014

Análise da Comissão Europeia sobre situação económica e orçamental de Portugal

Com a saída, em Maio, do programa de ajustamento económico e financeiro da troika, Portugal passou a estar automaticamente submetido aos mecanismos de vigilância e alerta da zona euro, que foram integrados no chamado Semestre Europeu e reforçados nos últimos anos para  permitir a detecção, a montante, de riscos de derrapagem orçamental e/ou acumulação de desequilíbrios macroeconómicos insustentáveis e susceptíveis de pôr em risco a estabilidade do conjunto da zona euro (o chamado Mecanismo de Alerta).

De forma automática, também, o país passou a estar sob um "procedimento por défice excessivo" onde permanecerá até que o défice orçamental baixe para menos de 3% do PIB, devendo para isso cumprir uma série de requisitos em termos de trajectória de consolidão orçamental.

A 28 de Novembro, a Comissão Europeia publicou a sua análise sobre a conformidade dos projectos de orçamento para 2015 dos países do euro com estas regras de disciplina orçamental. assentes no pacto de estabilidade e crescimento (PEC) tal como reforçado por dois pacotes legislativos aprovados já durante a crise do euro (os chamados 6 pack e 2 pack no jargão comunitário).
Na análise a Comissão afirma que, com o Orçamento de Estado (OE) para 2015, Portugal está em "risco de não cumprimento" ("risk of non compliance") com o PEC tanto em 2014 como em 2015:

-  Em 2014, o risco que o país enfrenta é de não ter aplicado a "acção efectiva" que lhe foi recomendada no ano passado pelo Conselho de Ministros da UE para corrigir o défice excessivo em 2015 ("risk of no effective action").
 
- Em 2015, "sem medidas adicionais, o cumprimento (da recomendação de redução do défice para 2,5% como acordado entre o Governo e a troika) não está assegurado ("in the absence of additional measures, compliance not assured".

Em concreto, a CE afirma que:

 "The fiscal effort falls clearly short of the recommendation and thus indicates the need for sizeable additional structural consolidation measures for 2015 to underpin a credible and sustainable correction of the excessive deficit".

 "The Commission therefore invites the authorities to take the necessary measures within the budgetary process to ensure that the 2015 budget will be compliant with the SGP"

"Limited progress also with regard to the structural part of the recommendations issued by the council in the context of the 2014 European semester". Need to accelerate their implementation


Previsões da CE para 2015 em Portugal (4 de Novembro), são piores do que as do OE 2015 - Previsõs do FMI (publicadas na mesma altura) são ainda mais pessimistas para o PIB:
 
                                                       CE                             FMI                        OE 2015
                                                                 (Nov 2014)                                      (Nov 2014)
                                                   
PIB                                                    1,3%                      1,2%                      1,5%
Défice orçamental (% PIB)       3,3                                                           2,7 *
Dívida pública (% PIB)          125,1                                                      123,7
Taxa Desemprego                      13,6                                                         13,4
(% população activa)
Inflação                                            0,6%                                                   0,7%
 
* valor acordado com a troika para 2015 no quadro do programa de ajustamento era 2,5% do PIB
Porquê estas diferenças de previsões?
 
Para a Comissão Europeia, o crescimento do PIB poderá ser ainda pior do que o esperado por causa da pressão para a redução da dívida privada, que permanece muito elevada.


Pierre Moscovici, comissário europeu responsável pelos assuntos económicos, explicou na altura que "a maior diferença" das suas previsões para o défice orçamental face ao OE/2015 "se deve a uma abordagem menos optimista e, quanto a nós, mais realista, do impacto sobre o défice da retoma económica e, talvez, também a uma visão menos optimista sobre as medidas tomadas contra a fraude fiscal".
Em termos de redução do défice estrutural, que para os países em procedimento por défice excessivo terá de atingir pelo menos 0,5 pontos percentuais por ano, o OE/2015 prevê esta redução desta ordem não num ano mas em termos acumulados em três anos 2013-2015. Em 2015 o ajustamento estrutural será de apenas 0,1 ponto percentual.
 
Já no que se refere ao Mecanismo de Alerta de desequilíbrios macroeconómicos insustentáveis, cujo relatório foi igualmente publicado no dia 28, a Comissão Europeia detectou 4 indicadores que ultrapassam os limiares definidos:
 
- Net International Investment Position (NIIP) - em % do PIB: -116,2% (limiar: -35%)
- Dívida privada: 202,8% do PIB (limiar: 133%)
- Dívida pública: 128% do PIB (limiar: 60% do PIB) - o segundo valor mais alto da zona euro, a seguir à Grécia (174%)
- Desemprego: 15% em média nos últimos 3 anos (limiar 10%) - Taxa em 2013 ascendeu a 16,4% da população activa, o terceiro pior valor da zona euro



 


Tuesday 2 December 2014

Já chega de tanta colagem do Governo à troika!

Esta terça-Feira, 2 de Dezembro, a ministra das finanças, Maria Luís Albuquerque participou num debate com os deputados europeus ao abrigo do "diálogo económico" que é realizado regularmente pela comissão dos assuntos económicos e monetários do Parlamento Europeu (ECON) com responsáveis nacionais e europeus.
Ao fim de uma hora e meia de perguntas e respostas, não tive alternativa senão concluir que o Governo continua colado às políticas que foram impostas pela troika no programa de ajustamento
económico e financeiro imposto a Portugal desde 2011.
Esta atitude é chocante num país em que a dívida pública - 128% do PIB - é hoje a segunda mais elevada da zona euro, o investimento caiu a pique, o desemprego afecta mais de 700 mil pessoas, 200 mil jovens tiveram de emigrar e 25% da população está em risco de pobreza.
Maria Luís Albuquerque confirmou a sua total concordância com a receita da troika e, embora tenha afirmado que "seria sempre possível fazer melhor" não enumerou qualquer aspecto em que o Governo pudesse ou quisesse ter actuado de forma diferente. Ou seja, do seu ponto de vista, nada de concreto poderia ou deveria ter sido feito de forma diferente no processo de ajustamento. O que é lamentável, quando até o próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, reconhece que houve abusos e exageros.
A questão não é se o ajustamento era necessário, nem se podia ter sido feito sem custos. A questão é se os objectivos foram atingidos e se o método não gerou sacrifícios excessivos, e é aqui que a colagem à troika é chocante.
Também não se percebe porque é que o Governo se mantém evasivo sobre os projectos que pretende candidatar ao novo fundo europeu de investimento de 315 mil milhões de euros anunciado há uma semana por Juncker. Enquanto a França e Espanha estão a debater opções e já apresentaram a Bruxelas listas de projectos candidatos no valor de várias dezenas de milhares de milhões de euros, Portugal limita-se a afirmar-se genericamente interessado. Esta apatia não faz qualquer sentido num dos países que mais precisa de apoio para estimular a sua economia...




 





 

Thursday 20 November 2014

Debate com Sheila Bair: ex presidente do FDIC e grande adversária do conceito de "too big to fail"

Foi muito interessante ter a oportunidade de ouvir em directo, durante uma conferência em Bruxelas, Sheila Bair, a mulher que durante o período da crise financeira esteve à frente do Federal Deposit Insurance Corporation-FDIC - nos Estados Unidos, uma agência governamental independente criada em 1933 e que garante os depósitos bancários até 250 mil dólares por banco.

Durante a sua presidência, o FDIC procedeu a 365 resoluções bancárias em que praticamente não houve quaisquer perdas nos depósitos superiores a 250 mil dólares, salvo muito raras excepções.

"A pergunta que me faziam permanentemente durante a crise era se nós éramos mesmo capazes de assegurar a garantia dos depósitos: 'Têm dinheiro suficiente para proteger os nossos depósitos?'", contou Bair durante a conferência sobre "Regulatory Measures to Prevent Another Crisis" que foi organizada na quarta-feira pelo CFA Institute Brussels.

"Tínhamos 50 mil milhões de dólares para garantir depósitos, mais o apoio da Reserva Federal (FED), e isso foi absolutamente essencial para evitar uma corrida aos bancos, o que não aconteceu", contou Bair.

"Um sistema baseado no conceito de "too big to fail" (demasiado grande para pode falir) é um sistema que não quero salvar", disse ainda a ex-presidente do FDIC, uma frase que considero muito interessante.

Bair, de 60 anos, presidiu ao FDIC, por nomeação do ex-presidente americano George W. Bush, entre 2006 e 2011. Apesar de ser próxima dos republicanos, foi sempre, e mesmo antes da crise, uma grande crítica dos excessos do sector financeiro e uma firme defensora da necessidade de regular o sistema, postura que mantém actualmente.

 
Formada em filosofia e direito, assumiu, entre outros cargos, postos importantes nos Departamentos da Saúde e Educação e do Tesouro, na Bolsa de Nova Iorque, e enquanto conselheira principal do líder dos Republicanos no Senado, Bob Dole. Desde que saiu do FDIC, em Julho de 2011, foi senior advisor do The Pew Charitable Trust (sem fins lucrativos), de onde saiu para integrar o Board do Banco Santander em Janeiro de 2014.

Bair foi considerada pela revista Forbes, em 2008 e 2009, a segunda mulher mais poderosa do mundo, a seguir à chanceler alemã, Angela Merkel.



Monday 17 November 2014

Instituições da zona euro têm de se juntar para acordar uma política de relançamento do investimento

Duas perguntas feitas hoje a Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, durante um debate no quadro do "diálogo monetário" da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu (ECON):
 
Elisa FerreiraA política monetária, e em particular a taxa de juro que sempre foi o instrumento previsto para relançar a economia na moeda única, estão neste momento esgotadas, ou muito próximas do esgotamento. A questão que coloco é esta: não é a situação que neste momento se vive, com a intensidade dos desequilíbrios que neste momento os países têm, com o desemprego estrutural enorme que algumas das economias que fizeram reformas estruturais ainda estão a sentir, e com a dificuldade brutal em relançar a procura, não são estes elementos suficientemente importantes para que se faça - que se repita - aquilo que se fez em 2012, isto é, que os presidentes das principais instituições se juntem, e, porque não, ser o Banco Central, que esgotou os seus instrumentos, a convocar essa reunião, de modo a que Comissão (Europeia), Conselho (de Ministros da UE), zona euro e Parlamento (Europeu), ao seu mais alto nível de responsabilidade, acordem uma política de relançamento da economia europeia, em particular o relançamento do investimento não só a nível de alguns países mas também ao nível da zona euro ou da Europa como um todo? Parece-me que estamos a aproximar-nos de uma situação de uma gravidade suficiente para que os altos níveis da União Europeia se juntem e falem a uma só voz, porque o Banco Central tem feito muito mas penso que não pode fazer tudo.

Mario Draghi: Estou completamente de acordo. A política monetária tem feito muito, pode fazer mais, pode fazer ainda mais se as reformas estruturais forem implementadas, mas não pode fazer tudo. As reformas estruturais são o terceiro pilar deste endramento político. Mas o que é preciso além disto tudo é que a confiança regresse à economia e à zona euro. E para que a confiança regresse, o mais importante é termos uma construção política e económica que mostre ao resto do mundo que somos capazes de trabalhar juntos e avançar juntos para mais integração. Penso que este é um elemento central de confiança que não tem necessariamente a ver com dinheiro, mas com a estabilidade de longo prazo do nosso conceito, do nosso enquadramento.

Elisa Ferreira: Pode-nos informar se há evoluções relativamente à "rede de segurança" ("backstop") do fundo de resolução (dos bancos falidos ou em risco de falir) que é um compromisso político dos Estados membros e que é absolutamente essencial ao sucesso da união bancária?

Mario Draghi: Tem havido muitas alterações no sentido em que, "ceteris paribus" (todas as outras variáveis constantes), o fundo de resolução se torna menos importante. Primeiro, porque depois das avaliações aprofundadas, os bancos têm agora níveis de capital mais elevados. Segundo, porque as regras de "bail in" (que obrigam os accionistas e credores subordinados a assumir perdas em caso de reestruturação de um banco) foram profundamente alteradas de uma forma em que a capacidade de absorção de perdas por parte do sistema bancário tem sido muito reforçada. Terceiro, o fundo único de resolução existe e se a sua pergunta é saber se os 50 mil milhões (com que será dotado até 2024) serão ou não suficientes, direi que é bastante claro que houve um acordo muito explícito segundo o qual a capacidade de contrair crédito do Fundo Único de Resolução foi reforçada.

Wednesday 12 November 2014

Optimização fiscal: Quando as situações se tornam imorais não podem ser protegidas pela lei europeia

As revelações sobre os acordos fiscais existentes no Luxemburgo para permitir a mais de 300 multinacionais operando noutros países pagar impostos irrisórios foram muito importantes porque "permitiram que todos os cidadãos vissem a extensão e a sofisticação das práticas de optimização fiscal agressiva feitas num Estado membro. Mas o mais grave é que como se sabe, esta não é uma prática só do Luxemburgo.

A Comissão Europeia tem 7 investigações em diferentes países europeus. O mais complicado de explicar é o facto de que muitos destes acordos e muitas destas práticas acabam por ser legais. Os grandes gabinetes de consultores e advogados asseguram-no. E há aqui uma enorme imoralidade. As empresas estão a operar em países da União Europeia, não estão a pagar impostos quase em lado nenhum e sobretudo não estão a pagá-los onde deviam.

Os cidadãos estão esmagados nesses mesmos países com impostos e políticas de austeridade, enquanto as grandes multinacionais defraudam o fisco em milhares de milhões de euros. Isto é profundamente imoral. Quando as situações se tornam imorais como é este caso, não podem ser protegidas pela lei europeia. A lei serve para isso mesmo, serve para tornar compatível aquilo que é ilegal com aquilo que é moralmente insuportável aos cidadãos. É essa a função da política e é essa a função da legislação. O que significa que a legislação tem de mudar e tem de mudar a nível europeu. Jean-Claude Juncker conhece melhor do que ninguém as práticas do seu país de origem. E a credibilização da Comissão Europeia e de toda a sua equipa passa por ele ser o líder, o agente central de uma mudança radical da agenda europeia avançando com propostas sérias para acabar com estas situações.

Precisamos de um compromisso muito mais claro do que aquele que foi aqui apresentado hoje, com um calendário exaustivo e com um compromisso claro com este Parlamento de que alguma coisa de radical vai mudar na UE depois deste enorme escândalo. É isto que os cidadãos exigem e é isto que também o Conselho (de ministros da UE) tem de reconhecer revendo a sua tradicional lei da unanimidade (para as decisões fiscais) porque impede o progresso que é necessário.

 

Tuesday 11 November 2014

Luxembourg's tax evasion: question to Margrethe Vestager

My question today to Margrethe Vestager, member of the European Commission in charge of competition policy, during a debate in the economic and monetary affairs committe of the European Parliament. Inevitably, the subject became the recent revelations abour the scale of the tax agreements concluded between 2002 and 2010 between Luxembourg and more than 300 multinationals to allow them to pay taxes at ridiculously low rates (see previous post)

My question:

Concerning "the breach of competition caused by tax fraud and tax planning, you've just mentioned (...) that you have 4 cases (being investigated in several member states). But we all know what the situation is, and now we have more details, we have more information and it is absolutely shocking.
 
So when you talk about 300 multinationals negotiating with a certain member state, my question is: do you feel that you have the capacity, the legal capacity to address these generalised practices? Because for citizens, and you understand it, it is a bit strange that we go on discussing the details of competition and on the back there are massive state aid through tax exemptions for which there are doubts if we have the legal framework to address it or not. So my question is precisely that: we are at a moment when we cannot go on as previously. Do you feel that through competition instruments you are capable of addressing successfully these permanent breaches of competition, or do you have to have a kind of major radical change, political change, to address these issues because it is impossible politically to go on like this, to be absolutely frank? You said there is no time for complacency, I agree, but is the Commission prepared to lead this fight in a much more radical, strong and honest way than until now?


Margrethe Vestager's answer:


To be radical, means to go to the root of thinks. It is very important to realise that we have two different debates here: we have one debate which is about state aids and distortion of competition, and there I actually feel that yes, there I have the legal capacity. Because tax rulings as such are common practice in member states. The problem of a tax ruling is when the member state accepts that a tax payed by a specific company is being calculated in a favourable way which does not correspond to market conditions, so that this company will have  a more favorable tax treatment than other companies. Then there is a state aid question in terms of fiscal aid. There we have a legal capacity. There we can do something if we can prove our cases. And this is the reason why I find very important to get wiser and to finalise the opened cases because then we'll know much more about the practices. If you talk about tax policies as such, I think that for instance you all know the proposal for a Common Consolidated Corporate Tax Base (CCCTB). The last time I asked, nobody knew if it's still had a pulse. This may be an important first step and of course I do hope that member states and Parliament both take this proposal

up for renewed consideration because I thing that would be a very important step to have a Common Consolidated Corporate Tax Base in order to get more transparency and for those businesses who do not engage in aggressive tax planning. It will be much easier because then they will know and they will not have to engage lawers and tax advisers from the countries in which they are active. And that I think will be new legislation that we actually need, if you're going to go the tax road to avoid some of the situations we have seen over the papers in the last couple of days.

 

 

 

Friday 7 November 2014

Eurozone GDP and demand in the crisis. Very instructive graph...

Can anyone still deny that the eurozone has a demand problem?







(published by the Financial Times)

Revelações sobre práticas fiscais agressivas no Luxemburgo são um escândalo

As revelações sobre os acordos secretos realizados durante vários anos entre o Luxemburgo e mais de 300 grandes multinacionais para lhes permitir fugir ao fisco nos países onde operam é um escândalo.

A existência em si destes acordos não constitui uma surpresa, nem é um caso exclusivo do Luxemburgo: há muito que as práticas de optimização fiscal agressivas de vários países são conhecidas, incluindo na Holanda, Irlanda ou Reino Unido.

A confirmar-se, a revelação da extensão e dos detalhes dos acordos secretos realizados pelo Luxemburgo constitui no entanto um choque: durante anos e anos, o Luxemburgo ajudou algumas das maiores multinacionais do mundo a criar empresas fictícias no seu território de modo a poderem beneficiar de taxas de imposição a níveis ridiculamente baixos, lesando sem estados de alma os parceiros europeus em milhares de milhões de euros de receitas fiscais.

A partir destas revelações, deixa de ser possível continuarmos a tolerar este tipo de concorrência fiscal desleal entre países que partilham o mesmo mercado e a mesma moeda.

Como é que os Governos podem pedir cada vez mais sacrifícios aos cidadãos europeus quando ao mesmo tempo exoneram as grandes empresas do pagamento de milhares de milhões de euros de impostos devidos através de esquemas que, mesmo que possam ser legais, são profundamente imorais?

O Grupo dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu já pediu o agendamento de um debate sobre esta questão para a sessão plenária da próxima semana.

Jean-Claude Juncker, actual presidente da Comissão Europeia que foi o primeiro ministro do Luxemburgo durante quase vinte anos (até ao fim de 2013), vai ter de clarificar a sua posição sobre este passado.

Mas, acima de tudo, Juncker vai ter de assumir a liderança do combate a estas práticas fiscais agressivas, sem o que a sua credibilidade ficará manchada.

O presidente da Comissão decidiu atribuir a vários dos seus comissários pelouros particularmente sensíveis para os respectivos países de origem (nomeadamente Jonathan Hill, o conservador inglês na regulação dos mercados financeiros; Pierre Moscovici, o socialista francês, no controlo do Pacto de Estabilidade; Miguel Arias Cañete, o espanhol fortemente envolvido no negócio do petróleo à frente da protecção do ambiente) com o argumento de que teriam uma facilidade acrescida para explicar aos seus compatriotas a necessidade de assunção de decisões e medidas difíceis mas necessárias para o seu futuro.

Pois bem: Juncker terá agora de assumir pessoalmente e de forma clara e determinada esta mesma lógica para acabar de vez com os paraísos fiscais europeus, antes de mais no seu país de origem. Só assim poderá recuperar a credibilidade pessoal e política que o seu lugar à frente da Comissão Europeia exige.

 

 

Depois do arranque da supervisão única dos bancos, regime de resolução igual para todos os Estados membros começa já em Janeiro

Depois de o Banco Central Europeu (BCE) ter assumido, a 4 de Novembro, as suas novas responsabilidades de supervisor único dos bancos da zona euro,  dentro de menos dois meses haverá uma nova data crucial: a 1 de Janeiro de 2015 entra em funcionamento, para todos os 28 países da União, a nova filosofia para a resolução (liquidação ou reestruturação) dos bancos que o supervisor considerar em situação ou em risco de insolvência ("failed or likely to fail"): os Estados deixarão de estar na primeira linha do salvamento das instituições em risco; para tal, os bancos passarão a partir dessa data a contribuir para um fundo de resolução, de forma proporcional ao seu perfil de risco (o risco que a sua operação introduz no sistema).

No contexto deste novo regime, igualmente, a partir de 1 de Janeiro de 2016, os accionistas e os credores dos bancos vão ter de assumir perdas antes de as respectivas instituições poderem receber qualquer apoio de um fundo de resolução bancária. Um banco falido ou em risco de falência enfrenta dois cenários possíveis: ou é pura e simplesmente liquidado (como qualquer outra empresa) de acordo com as regras gerais de falência, ou é "resolvido", ou seja, reestruturado, segundo um plano que será decidido para o efeito pelas autoridades de resolução. Neste último caso, eventuais necessidades de reforço de capital terão de ser assumidas pelos accionistas do banco, seguidos dos credores, sendo que as pessoas singulares e as micro, pequenas e médias empresas titulares de depósitos acima de 100 mil euros serão as últimas entidades a sofrer perdas. Só após estas perdas terem atingido um valor equivalente a 8% do passivo total do banco é que o fundo de resolução poderá em princípio ser utilizado (para facilitar as restantes operações de resolução). 

Note-se que já actualmente (e desde as novas regras europeias em vigor desde Agosto de 2013) os accionistas e os credores juniores têm de assumir perdas antes de algum Estado poder intervir num banco, o que só poderá, de todos os modos, ocorrer em casos excepcionais - nomeadamente em situações de risco de grave perturbação da economia do país onde está instalado - e sempre respeitando as regras europeias que enquadram e limitam as ajudas públicas ao sector financeiro.

A partir de 1 de Janeiro de 2016, entrará também em pleno funcionamento, para os países da União Bancária - os membros da zona Euro e aderentes, ou seja, os países da União Europeia que se queiram associar -, o Mecanismo Único de Resolução de bancos, que será dotado de uma nova agência - o Conselho Único de Resolução (Single Resolution Board) - que será apoiada nas suas intervenções por um Fundo de Resolução; este Fundo será o resultado da agregação gradual, durante oito anos, das contribuições dos bancos iniciadas já em 2015.

O novo Conselho Único de Resolução centralizará ao nível da União Bancária as decisões de liquidação ou reestruturação dos maiores bancos europeus de forma a assegurar um tratamento igual para todos (o Conselho será ainda o responsável último pelo funcionamento do Mecanismo Único de Resolução, que abrange todos os bancos). Os membros desta nova agência europeia começarão a ser seleccionados em breve com a intervenção do Parlamento; as respectivas audições arrancam na semana de 17 a 21 de Novembro.

Thursday 6 November 2014

Financiamento do novo Conselho Único de Resolução bancária está assegurado

Sob minha proposta, o Parlamento Europeu (PE) deu esta semana o primeiro passo para permitir que a nova agência europeia que ficará encarregue dos processos de resolução (liquidação ou reestruturação) dos bancos falidos ou em risco de falência da zona euro possa começar a funcionar de imediato.

A decisão, que foi assumida esta semana pela comissão dos assuntos económicos e monetários do PE (ECON), permitirá à nova agência - denominada Conselho Único de Resolução (bancária) - obter directamente dos principais bancos da zona euro o financiamento necessário para cobrir as suas despesas administrativas e operacionais durante a fase de arranque das suas actividades em 2014 e 2015.

A posição do PE resulta do Regulamento publicado em Julho passado que estabelece o Mecanismo Único de Resolução dos bancos da zona euro (e de outros Estados Membros da União Europeia que se venham a juntar à União Bancária) em situação ou em risco de insolvência, de que fui igualmente a relatora parlamentar. Este regulamento constitui o segundo pilar da União Bancária, tendo o primeiro sido concretizado a 4 de Novembro com a assunção pelo Banco Central Europeu das suas competências como supervisor no contexto do Mecanismo Único de Supervisão.

A decisão desta semana da comissão ECON (que deverá ser confirmada na sessão plenária do PE de 24 a 27 de Novembro), institui um regime provisório destinado a cobrir as despesas de arranque do novo Conselho - estimadas em 22 milhões de euros - de modo a permitir-lhe estar completamente operacional a 1 de Janeiro de 2016. Nesta data, o novo Mecanismo de Resolução Bancária entrará em pleno funcionamento.

Oportunamente, a Comissão Europeia apresentará uma proposta legislativa com o regime definitivo do financiamento do "Board" pelos bancos.

Tuesday 4 November 2014

Novo modelo de supervisão dos bancos da zona euro arrancou hoje

O primeiro dos três grandes pilares da União Bancária europeia, o Mecanismo Único de Supervisão, arrancou hoje com a assunção oficial por parte do Banco Central Europeu (BCE) das suas novas responsabilidades de supervisor dos bancos dos países da zona euro.

Com esta alteração crucial do sistema de supervisão, que era até agora assegurado de forma compartimentada pelas autoridades nacionais dos seus 18 Estados Membros, a zona euro dá um passo de gigante para uma harmonização dos métodos de vigilância da actividade bancária.

Esta centralização também permitirá evitar excessos de proximidade entre bancos e autoridades nacionais de supervisão que, no passado, chegaram a ser acusadas de terem algumas vezes fechado os olhos aos problemas dos seus "campeões" nacionais, permitindo a acumulação dos problemas que estiveram na base da crise financeira de 2008.

A partir de agora o BCE ficará encarregue da supervisão directa dos 120 maiores bancos da zona euro - o que inclui os portugueses Caixa Geral de Depósitos, BPI, BCP e Novo Banco - e indirecta, em associação com as autoridades nacionais de supervisão, de todos os outros (o BCE é o responsável pelo funcionamento do Mecanismo Único de Supervisão, que abrange todos os bancos).

Antes de assumir a sua nova responsabilidade, o BCE procedeu a uma análise aprofundada dos balanços de 130 dos maiores bancos da zona euro - que representam em conjunto quase 85% dos activos totais, no valor de 22 milhões de milhões de euros - e da sua capacidade de resistência a situações extremas, como uma recessão económica ou uma crise financeira.

O objectivo deste exercício foi proporcionar ao BCE um conhecimento o mais aprofundado possível dos bancos que vai agora supervisionar.

Deste exercício, amplamente divulgado em 26 de Outubro, resultou que 25 bancos têm necessidades de capital, que deverá ser obtido no mercado.

Mesmo que a qualidade destes testes possa e deva vir a ser melhorada no futuro, esta análise do BCE é um passo fundamental para a harmonização e reforço da supervisão ao nível europeu.

De notar, no entanto, que os testes de stress não poderão ser assumidos como uma garantia de que os bancos que os passaram sejam absolutamente seguros, como a história recente nos mostrou, nomeadamente com a falência de alguns bancos aprovados em análises anteriores.

Quase concomitantemente com o arranque das novas funções do BCE, a partir de 1 de Janeiro de 2015 - ou seja, dentro de menos de dois meses - entra em funcionamento uma nova filosofia para a resolução (liquidação ou reestruturação) dos bancos que o supervisor considerar em situação ou em risco de insolvência ("failed or likely to fail").

Esta nova filosofia, que resulta do segundo pilar da União Bancária europeia - o novo Mecanismo Único de Resolução - será brevemente abordada neste blog.

Thursday 23 October 2014

Mudança: uma questão de semanas, não de meses

A nova Comissão Europeia está em condições de começar o mandato a 1 de Novembro, na sequência da sua confirmação (por 60% dos votos) no Parlamento Europeu a 22 de Outubro.

Juncker conseguiu que o grupo S&D lhe desse o benefício da dúvida graças aos compromissos políticos de mudança da agenda europeia assumidos por si e pela sua equipa.

Não tendo a esquerda moderada e pró-europeísta saído vencedora das eleições europeias, a verdade é que dificilmente se poderia encontrar um perfil, nas hostes da direita, mais adequado para liderar a Comissão nesta época dificílima do que o de Juncker, pelas suas convicções humanistas, características pessoais e experiência.

Os perfis de alguns comissários e a inadequada distribuição de alguns pelouros entre eles continuam, no entanto, a levantar-nos sérias dúvidas. Durante o debate entre o presidente eleito e o PE esperámos introduzir mais alterações na repartição de responsabilidades entre os membros da nova Comissão do que aquela que acabou por resultar na versão final.

Mesmo assim, houve que ponderar as consequências de um voto crítico, fosse ele negativo ou indefinido, como seria o caso de uma abstenção. Essa eventualidade provocaria, na prática, uma fragilização desta Comissão e do seu presidente face ao todo poderoso Conselho de Ministros da UE e em particular face àqueles Governos europeus – leia-se sobretudo o alemão – que o têm dominado nos últimos tempos.

Este voto positivo não pode, no entanto, significar um cheque em branco. Muito pelo contrário: o benefício da dúvida que foi dado à Comissão tem de ser acompanhado de uma exigência e vigilância constantes e reforçadas sobre o rigor com que Juncker honrará os compromissos assumidos.
A agenda europeia tem de mudar e mudar já, e foi com essa mudança que Juncker se comprometeu perante o PE.

Para mudar, é preciso alterar imediatamente a agenda da austeridade - em grande medida ideológica - dos últimos seis anos que já foi longe demais e cujos resultados desastrosos são hoje evidentes: uma política de austeridade assumida de forma sincronizada por economias tão interligadas como as europeias gerou a espiral de recessão económica que hoje é evidente no desemprego galopante – quase 25 milhões de europeus estão sem trabalho –, nos fenómenos novos da deflação e estagnação económica (apesar de as taxas de juro do BCE estarem próximas de zero) e nas divergências económicas e sociais brutais tanto entre o centro e a periferia como no interior dos países mais fragilizados. Com a agravante de que o excesso de dívida entretanto acumulada pelas economias mais frágeis durante o processo de ajustamento começa a despertar os ataques especulativos de operadores financeiros internacionais que as decisões de Draghi no Verão de 2012 pareciam ter neutralizado.
Neste momento, se a agenda não mudar com urgência, é a sobrevivência do euro e mesmo do projecto europeu que está em risco.

A promessa mais óbvia e imediata de Juncker para  estimular a economia – um programa de investimento de 300 mil milhões de euros em três anos – vai ser o primeiro grande teste à credibilidade da nova Comissão.

Hoje, depois de todos os debates e audições aos novos comissários, continua a não ser claro como é que este pacote se vai concretizar, nem de onde virá o dinheiro.

Acredito que Juncker tem plena consciência da urgência da mudança, mas a verdade é que a Comissão Europeia não tem sozinha os meios para a concretizar. O que significa que ou entramos numa nova fase e a Comissão, o PE e, acima de tudo, o Conselho – a começar pela Alemanha – se sentam à mesma mesa e chegam a acordo sobre o diagnóstico e a forma de resolver o problema, ou a Europa ficará rapidamente em muito maus lençóis.

Temos as soluções e os meios para resolver o problema, o que falta é sobretudo a vontade política de trabalhar para o bem-estar de TODOS os cidadãos e, em última análise, salvar o projecto europeu.
Veremos se o novo presidente da Comissão saberá estar à altura da gravidade do momento.

Monday 13 October 2014

Comissão Europeia de Jean-Claude Juncker: mais um acto de fé?

O Parlamento Europeu terminou uma das semanas mais importantes da nova legislatura com a conclusão do processo de audição dos 27 candidatos à nova Comissão Europeia que será presidida a partir de 1 de Novembro por Jean-Claude Juncker.

Este processo deixa-me um sentimento misto de dúvida e de esperança.

O benefício da dúvida que o grupo socialista deu a Juncker, eleito pelo PE em Julho, foi baseado numa promessa de inversão da agenda da austeridade. A credibilidade dessa promessa do novo presidente está agora dependente dos comissários a quem atribuiu responsabilidades nas áreas económicas e sociais e que terão de executar os compromissos assumidos.

Percebe-se agora que, quando confrontou o PE com uma distribuição de pelouros entre os seus 27 comissários, Juncker já a tinha pré-negociado com os líderes das principais famílias políticas europeias. A nova estrutura inclui um primeiro vice-presidente socialista - Frans Timmermans - com competências gerais e horizontais sobre toda a Comissão, dois vice-presidentes coordenadores das áreas económicas conhecidos pelas suas convicções pró-austeridade - Jyrki Katainen e Valdis Dombrovskis - e um comissário socialista encarregado da governação económica - Pierre Moscovici. Com esta composição ancorada num acordo político, Juncker jogou forte colocando o PE numa situação de "pegar ou largar", ou seja, aceitar ou rejeitar tudo em bloco.

Este pacote, no qual muitos socialistas não se revêem, decorre todavia, em última instância, do facto de ter sido a direita a vencedora das eleições europeias de maio.

Mesmo assim, batemo-nos pela introdução de alterações. O resultado mais visível serão talvez os compromissos assumidos por Dombrovskis - que vai coordenar a acção de Moscovici - durante a audição no PE, que só não arrepiaram os cabelos da direita por ser um dos seus membros. Cito, a título de exemplo, a convicção que manifestou de que "globalmente, a UE já concluiu o ajustamento orçamental" e que a agenda económica precisa agora de se "concentrar no lado da procura, incluindo com o aumento de salários (...), alteração da fiscalidade, transferência da fiscalidade do trabalho - sobretudo do trabalho pouco remunerado- para o capital, para a propriedade, para taxas ambientais e para outras áreas menos prejudiciais para o emprego".

O maior problema desta equipa é Katainen, o finlandês bem conhecido pelas más razões nos Estados membros do sul, agora responsável por coordenar a promessa central de Juncker de mobilização de um pacote de investimentos, incluindo públicos, de 300 mil milhões de euros. Katainen não avançou qualquer resposta satisfatória sobre as inúmeras questões que lhe foram colocadas na matéria nem deu sinais de recuo na sua saga pela austeridade, o que deixa a credibilidade do próprio Juncker nas suas mãos.

Até à votação final do colégio de comissários pelo PE, a 22 de Outubro, haverá que ponderar até que ponto o voto de confiança dado a Juncker em Julho merece ser confirmado. Só então se tornará claro se será possível confiar na nova Comissão Europeia e na sua abertura para operar a viragem da agenda económica com que se comprometeu.

 

 

 

Não podíamos votar em Jyrki Katainen para a Comissão Europeia

Os deputados socialistas portugueses no Parlamento Europeu decidiram que não poderiam votar em Jyrki Katainen para integrar a nova Comissão Europeia com a responsabilidade pela coordenação da área do "Emprego, Crescimento e Investimento". E não votámos.

Esta decisão resultou do facto de Katainen ter sido, enquanto ministro das finanças e primeiro ministro da Finlândia, um dos maiores apologistas da austeridade, assumindo aliás uma postura moralista de que os pecadores têm de expiar os seus pecados.

Katainen foi o primeiro a pedir colateral (garantias) aos Estados em dificuldades em troca da assistência financeira da zona euro, obrigando a Grécia a endividar-se para o efeito.

Katainen também impôs um endurecimento da já de si dura austeridade prevista em Portugal em troca do seu apoio ao programa de ajuda externa. E resistiu enquanto pôde tanto à criação como ao alargamento do âmbito de acção do ESM (Mecanismo Europeu de Estabilidade), que foi criado precisamente para assegurar a assistência financeira da zona euro aos países com problemas de liquidez. Estas não são atitudes coerentes com os valores da solidariedade europeia.

Apesar das tentativas de moderar o discurso, o novo comissário continua a defender que o crescimento económico e o emprego acabarão por se materializar de forma quase automática e por obra e graça das "reformas estruturais" - o que na prática significa esmagamento de salários - e que é tudo uma questão de tempo e paciência. Para nós, socialistas, esta postura torna-o muito pouco apto para coordenar o pacote de investimentos de 300 mil milhões de euros, incluindo públicos, que Jean-Claude Juncker, o novo presidente da Comissão Europeia, prometeu ao PE.

Não foi por acaso, aliás, que Katainen não conseguiu avançar qualquer resposta satisfatória, durante a sua audição no PE, sobre de onde vem este dinheiro e como pensa aplicá-lo. Isto significa que vai ter de ser o próprio Juncker a responder pela acção do seu vice-presidente no cumprimento da promessa de mudança que nos fez.

Juncker confrontou, de resto, o PE com uma distribuição dos pelouros entre os seus comissários que já tinha pré-negociado com os líderes das principais famílias políticas europeias e que decorre directamente do facto de nós, socialistas, não termos sido os vencedores das eleições europeias de Maio.

Mesmo assim batemo-nos, e temos vindo a conseguir, introduzir alterações na agenda. Até à votação final pelo PE do colégio de comissários, a 22 de Outubro, teremos de obter de Juncker garantias de que, apesar da forma como optou por organizar a equipa, os seus compromissos serão cumpridos. Só então decidiremos se confirmaremos ou não o voto de confiança que, com base na sua promessa de mudança, demos a Juncker em Julho.


(Texto publicado no InfoEuropa de 9 de Outubro de 2014)