Tuesday 15 December 2015

Le Pen e a Europa - é preciso mudar de método

Artigo de opinião publicado no Público de 13/12/2015



Mudar de método para evitar um desastre na Europa

Elisa Ferreira, eurodeputada eleita pelo PS e coordenadora dos Socialistas e Democratas Europeus na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu

A Europa olha para a subida da Frente Nacional (FN) a primeiro partido político em França com um misto de surpresa e incredulidade, como se os resultados das eleições regionais de domingo passado - que esperamos possam ser contrariados na segunda-volta de hoje - fossem totalmente inesperados.
Esta evolução confirma uma tendência que se arrasta há muito de adesão às ideias nacionalistas, extremistas, racistas e antieuropeias da líder da FN, Marine Le Pen.
Não é possível ficar indiferente ao que se passa em França, tanto no plano dos princípios e valores democráticos, como pelas suas implicações para a Europa: uma vitória de Marine Le Pen nas eleições presidenciais de 2017 - totalmente possível - significará seguramente o fim da UE.
Não é só por esta razão, no entanto, que a UE vive a mais grave crise política, económica e social dos seus 65 anos de vida.
Apesar de continuar a ser o melhor garante da paz no Continente e, alegadamente, a melhor protecção num mundo globalizado, a Europa é cada vez mais vista pelos cidadãos como incapaz de resolver as suas enormes dificuldades quotidianas.
A UE e os seus líderes têm a sua parte de responsabilidade no atual sentimento de desconfiança de que se alimentam os extremismos e nacionalismos. Com os seus avanços e recuos, dificuldade de tomar decisões e promessas deixadas pelo caminho, agravadas pela brutalidade com que geriu a crise da dívida soberana, pelos dogmas do ajustamento orçamental, pela falta de respostas para o desemprego maciço e pela inoperacionalidade gritante na crise dos refugiados, a Europa não convence.
Longe de ser um processo "natural", o projeto europeu foi sempre o resultado de duas dinâmicas: a necessidade de ultrapassar, quase sempre sob pressão, as crises sucessivas que marcaram a sua história - muitas vezes com respostas improvisadas ou mal preparadas -, e a capacidade de alguns estadistas de ver mais longe.
Entre os projectos europeus mais recentes, a União Bancária foi sobretudo o resultado da primeira dinâmica enquanto a União Económica e Monetária - o Euro - resultou mais da segunda.
No rescaldo da crise de 2008, a União Bancária tornou-se indispensável para evitar que a derrocada de bancos "demasiado grandes para poderem falir" arrastasse consigo os Estados. Para quebrar a espiral de contágio entre bancos e Estados, criaram-se novas regras comuns, que incluem um mecanismo de supervisão único e um mecanismo de resolução único dos bancos, dotado de um fundo de resolução e de uma autoridade de resolução igualmente únicos.
Foi também a crise de 2008 que ilustrou algumas das grandes fragilidades da UEM: a falta de instrumentos de convergência estruturais e anti cíclicos (no projeto inicial de Jacques Delors, a moeda única exigia um orçamento europeu de 5% do PIB) e de defesa da dívida soberana contra a especulação, as consequências da limitação do mandato do Banco Central Europeu ao combate à inflação, a redução da vigilância europeia das políticas económicas nacionais ao controlo dos défices orçamentais, ou a incapacidade de tornar o Pacto de Estabilidade e Crescimento num verdadeiro instrumento de regulação económica.
Inúmeros economistas tinham alertado desde início para as lacunas da UEM, mas sempre encontraram como resposta que, tratando-se de um projeto político, os políticos supririam as necessidades a seu tempo.
A crise de 2008 veio perturbar esta e muitas outras crenças, e, sobretudo, pôr a nu as limitações do velho método dos pequenos passos em projetos de grande sofisticação e alto risco, como é, precisamente, o caso da UEM e da União Bancária, mas não só.
São projetos demasiado importantes e sofisticados para poderem ser construídos por partes, sem responsabilidade institucional e ao sabor de impulsos pontuais ou das oscilações das conjunturas políticas ou partidárias, que alteram em permanência os calendários e questionam os próprios objetivos.
Foi precisamente isso que aconteceu nos últimos anos. Em 2012, no auge da crise, quando a sobrevivência do Euro chegou a estar verdadeiramente em causa, a UE teve na mesa uma panóplia de soluções: criação de um fundo de amortização da dívida pública, emissão de dívida em comum, criação de um Tesouro europeu com um orçamento específico para a Zona Euro (para amortização de choques e combate às divergências), apoio financeiro às reformas estruturais dos Estados, recapitalização directa dos bancos pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM), protecção do investimento, fim da concorrência fiscal desleal.
Passada a pressão da crise, todos estes projetos, ou partes fundamentais deles, ficaram pelo caminho.
Hoje, o grande programa de relançamento da União Monetária ficou praticamente reduzido ao reforço da vigilância orçamental e aos novos mecanismos de controlo e prevenção dos desequilíbrios macroeconómicos, com a agravante de que, na prática, vigiam sobretudo os países deficitários e não ousam interferir com os altamente excedentários.
Pior: o debate sobre a gestão comum da dívida soberana não só está esquecido como começa a ser substituído por outros novos, insidiosos, sobre a gestão da "falência organizada dos Estados" - o que nos aproxima do relançamento político da ideia de países terem de sair do Euro -, a limitação da exposição soberana dos bancos e mesmo a "valorização" do risco soberano.
Na União Bancária, a prometida garantia comum europeia dos depósitos - o terceiro pilar do edifício que é tanto mais essencial quanto a supervisão já é uma realidade e a resolução arranca em Janeiro -, também está em risco: o sistema de "resseguro" das garantias nacionais de depósitos que está agora na mesa já é uma versão mitigada da promessa original e que mesmo assim foi arrancada "a ferros" e já está desencadear uma rejeição violentíssima da Alemanha.
Estes debates estão nos antípodas da lógica da "comunitarização" crescente dos projetos comuns que sempre prevaleceu ao longo do processo de integração europeia e que, no pico da crise do Euro, era considerada indispensável para salvar o mais emblemático projecto da UE.
Esta evolução resulta, também, do facto de, por diversos motivos internos e externos à UE, os Estados se terem apropriado da agenda, desviando-a, precisamente, dos métodos "comunitários" de decisão e reforçando um método de cooperação entre Governos - intergovernamental - mais apropriado ao século XIX do que aos desafios actuais, e completamente contrário à agenda de partilha de soberania assente na confiança mútua. Quando a dúvida se instala sobre se o interesse comum não terá sido capturado pelo interesse dos mais poderosos, o projeto fica inevitavelmente inquinado e os mecanismos de autodefesa e renacionalização fertilizam.
A UE tem de se repensar urgentemente, incluindo as suas finalidades, as suas opções e o seu método de funcionamento. E tem, sobretudo, de cumprir as promessas feitas em tempo de crise.
Sem uma mudança de rumo assumida em comum e para o bem comum, será Marine Le Pen a impor a pior mudança possível, da pior forma e pelas piores razões,




União Monetária precisa de um orçamento reforçado, senão não pode funcionar



EP plenary speech – Debate on Economic and Monetary Union/Euro area recommendation with Jean-Claude Juncker, president of the European Commission, and Jeroen Dijsselbloem, president of the Eurogroup – 15/12/2015

This is indeed a very important debate with 3 presidents that co-signed the 5 presidents report, and we are for the first time discussing in plenary the stance and the functioning of the Eurozone.
So this is really a very welcome moment.
And the truth is that more than 7 years after the 2008 crisis, in spite of the - welcome - massive quantitative easing by the European Central Bank, and in spite also of a more intelligent application of the governance rules by the Commission, the Eurozone economy is stagnant, is basically flat, with strong internal divergences and alarming levels of poverty and unemployment.
And the reality confirms what we have repeatedly been saying here and what Mario Draghi said already in 2014: in a recessive economic environment, monetary policy alone is not enough to boost the economy. In a zero lower bound interest rate and stagnant economy, investment projects are hardly viable, thus limiting the potential to increase competitiveness and create new jobs, while non-performing loans jeopardise the viability of banks and other lenders.
So please Commission and Council you need urgently to acknowledge that the policies imposed until now need urgent change. In 2015 the GDP per head and the level of productive investment in the Euro Area remain below the level of 2007.
The future of the EU and in particular the future of the Euro Zone and  its acceptance by its citizens depends on this policy change and change means that the Eurozone cannot, in 2016, pursue a "neutral aggregate fiscal stance" as, once again, is proposed by the Commission and the Council. It is suicidal to ignore the facts and persist in this neutral stance.
The aggregate fiscal stance should instead be expansionist, clearly countercyclical, should protect productive investment and limit the internal divergent trends. But what instruments do we have? Until now, only pre-crisis external deficit countries have adjusted, whereas external surplus countries continued to increase their current account surpluses. The surplus largely reflects excessive domestic savings over investment which leaves the Euro Zone without a stimulus.
This asymmetric adjustment, incapable of generating internal investment or consumption, is further reducing the viability of the common currency.
Apart from interpreting again in a more wise way  the existing rules, we need to immediately prepare for the next phase of the 2015 5 presidents report which is already a diluted version from the 2012 Van Rompuy report, but we need to prepare immediately for the establishment of the conditions to create a fiscal capacity for the Eurozone.
Without a reinforced budget, the monetary union cannot function.
European institutions also need to respect and comply with all the promises made in banking union in particular, by urgently providing the indispensable permanent credible backstop to the Single Resolution Mechanism, by accelerating the Common Guarantee of Deposits and by allowing the ESM to directly recapitalise banks, and I recall that this element is included in the first phase of the 5 presidents report.
I finish, but I think this cannot be a trade-off for anything else, it’s just to finish what has been promised and this is essential for mutual trust and the belief of the citizens.

Thursday 10 December 2015

Schäuble atira-se a Victor Constâncio e esquece a independência do BCE - quando lhe dá jeito



Wolfgang Schäuble teve uma atitude inacreditável contra o Banco Central Europeu (BCE) pelo facto de este defender que a zona euro tem de cumprir o que prometeu criando uma garantia comum de depósitos bancários até 100.000 euros enquanto parte integrante da União Bancária.
Durante um debate público entre os ministros das finanças da União Europeia, na passada terça-feira, 8 de Dezembro, sobre, precisamente, o sistema de garantia de depósitos - a que a Alemanha se opõe terminantemente - Schäuble atirou-se a Victor Constâncio, que, enquanto vice-presidente do BCE, representava a instituição.
O episódio foi relatado pelo Financial Times, que cita o "recado" do ministro alemão ao BCE:
"Vocês provocaram-me, por isso sou muito franco"; "antes de nos darem tantos conselhos a nós, legisladores europeus, deviam ocupar-se das regras que implementámos para o BCE ... implementámos uma muralha chinesa", terá dito Schäuble que, segundo o FT, se referia às competências do BCE enquanto autoridade monetária da zona euro, por um lado, e enquanto supervisor único dos bancos, por outro 
(artigo em: https://next.ft.com/content/76a651b8-9db8-11e5-b45d-4812f209f861)
Não deixa de ser curioso que Schäuble mande às ortigas, quando lhe dá jeito, a independência do BCE face ao poder político que foi imposta contra tudo e contra todos pela Alemanha!
Schäuble esqueceu-se que o BCE, nas suas competências de supervisor único dos bancos da zona euro que assume desde Novembro de 2014, tem todo o direito de exigir aos Governos que cumpram todos os passos da União Bancária, incluindo a criação de uma garantia comum de depósitos.
Enquanto isso não acontecer, a protecção dos depósitos manter-se-à nacional, o que significa que os depositantes continuarão dependentes da capacidade financeira dos respectivos Estados. O resultado é que um depositante de um país com um orçamento apertado, como por exemplo Portugal, beneficiará de uma protecção inferir à de um depositante alemão, que pode sempre contar com a enorme margem de manobra orçamental da Alemanha.
Quebrar esta ligação entre Estados e bancos era, e é, precisamente o objectivo central da União Bancária, e o BCE não só tem o direito como a obrigação de o lembrar à Alemanha e restantes países europeus.