Wednesday 24 February 2016

Banif: perguntas à Comissão Europeia sobre a resolução e venda, e resposta

Debate com a comissária europeia responsável pela política de concorrência, em que levantei várias questões sobre a resolução e venda do Banif:

O vídeo das perguntas e respostas (em inglês):


A transcrição para português deste debate:


A pergunta:

A 19 de Dezembro, o banco português Banif foi resolvido depois de um processo de ajudas de Estado que começou dois anos e meio antes, em 2013. O Banif foi vendido ao Santander por 150 milhões de euros, mas os custos operacionais para os contribuintes foram 3 mil milhões. Esta acção foi assumida no seguimento da sua decisão, da Direcção-Geral da Concorrência (da Comissão Europeia), de abrir uma investigação aprofundada em Julho de 2015. Pode explicar o que é que despoletou esta decisão de 2015, quando aparentemente o Banif cumpria os requisitos de capital e alavancagem financeira? E o calendário foi o adequado dado que se estava a 2 meses de eleições legislativas?
A minha segunda questão tem a ver com a corrida ao Banif a 17 de Novembro de 2015 [1] depois de um anúncio do canal português TVI sobre a falência iminente do Banif. Este canal de televisão é detido por um grupo de imprensa no qual o Santander tem interesses. A Direcção-Geral da Concorrência está a investigar esta situação enquanto possível caso de manipulação de mercado?
A terceira questão é sobre o banco público alemão HSH Nordbank que recebeu uma ajuda de estado em 2008/2009, e de novo em 2013, por via de um aumento de uma garantia até 10 mil milhões de euros. Um acordo de cavalheiros entre a Direcção-Geral da Concorrência e as autoridades alemãs foi alcançado em Outubro de 2015. O que é que explica a diferença de tratamento entre estes dois bancos? E porque é que as condições deste acordo final não são públicas?
Finalmente, as recentes intervenções da Direcção-Geral da Concorrência causaram grandes consequências sistémicas, provavelmente não intencionais.  Pensa que terá de reavaliar a sua interferência nos bancos à luz da nossa legislação para o sector bancário que citei?
Muito obrigada.

A resposta de Margrethe Vestager:

A resposta à última questão é não. Não penso que tenhamos de reconsiderar a totalidade do quadro regulamentar, nem da Directiva da resolução e reestruturação do sector bancário em que (o PE) legislou, nem na forma como controlamos as ajudas de estado.
No caso do Banif: o Banif recebeu uma larga soma em 2013 - se bem me lembro de 1,3 mil milhões de euros[2]. Quando se recebe ajudas de estado é preciso provar a viabilidade, também olhando para a frente. E há várias condições para a ajuda de Estado, porque pode haver um banco concorrente ao virar da esquina que não tem ajuda de estado.
Não foi possível produzir um plano de viabilidade para o Banif, e, por isso, abrimos no Verão passado uma investigação formal. Isto não é nenhuma acção dramática, é basicamente uma acção para permitir a outras partes interessadas comentar e para as autoridades saberem por escrito quais são as preocupações da Comissão. Antes disso, penso, mas é a minha opinião, houve uma relação de trabalho aberta com as autoridades portuguesas.
Não tenho qualquer conhecimento de como ou porquê um canal de televisão dá notícias como o fazem, e não tenho indícios de que possa haver conexões problemáticas a esse respeito.
O que aconteceu depois foi que o supervisor nacional disse que o banco estava a precisar de capital. E isso, claro, despoletou os acontecimentos que se seguiram e que levaram a autoridade nacional, o Banco de Portugal, a pôr o banco em resolução.
No que se refere ao HSH Nordbank: o que está a acontecer é que eles têm de apresentar um plano de viabilidade olhando para a frente. Esse processo ainda está em curso e a decisão final ainda não foi tomada.
Quando as decisões forem limpas dos aspectos confidenciais - e isso é válido para todas as decisões de ajudas de estado - passarão obviamente a ser públicas. Mas como a decisão ainda não foi tomada formalmente, ainda demorará algum tempo até que seja pública.

[1] De facto 13 de Novembro

[2] De facto, 1,1 mil milhões de euros

Depois do debate, a comissária Vestager enviou a seguinte informação adicional em português e em inglês, mais o link para a decisão sobre o SHS-Nordbank

·        O Banif tem um longo historial em matéria de ajudas de Estado. Em primeiro lugar, beneficiou de uma ajuda de estado para recapitalização no valor de 1,1 mil milhões de euros, em janeiro de 2013, como medida de apoio urgente. Na sequência do incumprimento repetido do compromisso do banco relativamente à devolução dessa ajuda de Estado e da incapacidade de Portugal apresentar um plano de restruturação com uma perspetiva credível de restabelecer a viabilidade do banco, a Comissão deu início a um procedimento formal de investigação em matéria de auxílios estatais, em 24 de julho de 2015. Estas dúvidas sobre a viabilidade do banco foram posteriormente fundamentadas pela avaliação do Banco de Portugal, que reconhece as perdas significativas incorridas pelo banco e a sua frágil base de capital, bem como pelo facto do banco não ter conseguido apresentar perspetivas razoáveis de qualquer solução privada alternativa para suprir as suas fragilidades financeiras.

·       O Banif, com o apoio das autoridades portuguesas, lançou um processo de venda no outono de 2015. O processo de venda foi definitivamente abandonado pelas autoridades portuguesas com a decisão de resolução de 19 de dezembro de 2015, uma vez que os investidores privados não estavam dispostos a comprar a entidade sem o apoio do Estado. Tendo em conta os problemas de liquidez que o banco enfrentava e a sua frágil posição de capital, as autoridades portuguesas decidiram organizar um processo de venda com a possibilidade de conceder mais apoios estatais.

·       Solicitar mais auxílios estatais para o Banif significava resolução. Trata-se de legislação da UE, adotada pelos Estados-Membros e pelo Parlamento Europeu, e que a autoridade de supervisão ou a autoridade de resolução têm o dever de aplicar. O auxílio estatal aos bancos em dificuldade, notificado à Comissão após 1 de janeiro de 2015, apenas pode ser concedido se o banco for colocado em resolução, em conformidade com as disposições da DRRB (Diretiva relativa à Recuperação e Resolução Bancárias) e das regras da UE em matéria de auxílios estatais. No caso do Banif, o Banco de Portugal é simultaneamente a autoridade de supervisão e de resolução. A legislação da UE foi transposta para o direito português no início de 2015.

·       As responsabilidades pela resolução do Banif são claras: o supervisor do Banif é o Banco de Portugal e foi este que colocou o Banif em resolução. Compete ao Estado-Membro solicitar auxílios estatais, nunca à Comissão, e compete à autoridade de resolução decidir colocar um banco em processo de resolução, se um dos fatores determinantes da DRRB, o artigo 32.º, for aplicável. Em 2015, a autoridade de resolução responsável era o Banco de Portugal. Se o Banco de Portugal não tivesse decidido pela resolução em 2015, o procedimento aberto de auxílio estatal teria sido protelado para 2016. Se um novo auxílio estatal tivesse sido concedido em 2016, a autoridade de resolução responsável pelo Banif teria sido o Comité Único de Resolução da UE e seria aplicável todo o conjunto das regras de resgate da DRRB. No entanto, neste caso, o Banco de Portugal tomou a decisão formal de resolução a 19 de dezembro e Portugal notificou à Comissão o auxílio para a resolução a 20 de dezembro, com o resgate implementado nos termos da legislação portuguesa, em conformidade com as regras aplicáveis em matéria de auxílios estatais.

·       A Comissão não impôs que o comprador do Banif fosse um banco nem excluiu fundos de cobertura (hedge funds). A estratégia de resolução foi escolhida pela autoridade de resolução. Tal como o Banco de Portugal afirmou recentemente, a intenção era poder abrir o banco na segunda-feira, tendo em conta a manutenção da estabilidade financeira. A Comissão tem a obrigação de aprovar a venda de empresas ao abrigo do quadro relativo aos auxílios estatais caso existam garantias de que a entidade resultante seja um participante de mercado viável e que não seja solicitado outro auxílio estatal no futuro (tal como foi feito, por exemplo, nos casos dos Banco de Valencia, Panellinia e Banca Romagna). Caso contrário, a entidade em dificuldades deve ser liquidada judicialmente. Tendo em conta estas limitações, a receção de propostas por parte de bancos sólidos e de considerável dimensão foi a forma mais adequada de agir para aumentar a probabilidade de a entidade resultante ser viável desde o início. No caso do Banif, foram apresentadas ofertas não vinculativas por outros proponentes e apenas foi recebida uma oferta vinculativa durante o fim de semana em que Portugal decidiu aplicar a medida de resolução.
A versão inglesa:
·        Banif has a long State aid history. It first received a previous state rescue recapitalisation of €1.1 billion in January 2013, as an urgent support measure. Following the repeated breach of commitments of the bank in not repaying the state support and Portugal not being able to present a restructuring plan that showed a credible return to viability of the bank, the Commission opened a formal state aid investigation on 24 July 2015. These doubts on the bank's viability were further substantiated by the assessment of the Bank of Portugal recognising the significant losses incurred by the bank and its weak capital basis, as well as the fact that the bank had not been able to present reasonable prospects for any alternative private solutions to remediate its financial weakness.
·        Banif with the support of the Portuguese authorities launched a sale process in autumn 2015. That sale process was definitely terminated by the Portuguese authorities with the resolution decision from 19 December 2015 given that no private investors were willing to buy the entity without state support. In view of the liquidity constraints that the bank was facing and its weak capital position, the Portuguese authorities decided to organise a sale process with the possibility of granting further state support.
·        Requesting further State aid to Banif meant resolution. This is EU law as adopted by the Member States and the European Parliament and that the supervisor or the resolution authority must apply. State aid to failing banks notified to the Commission after 1 January 2015 can only be granted if the bank is put into resolution, in compliance with the provisions of the BRRD in addition to EU state aid rules. In the case of Banif, the supervisory authority and the resolution authority is the Bank of Portugal. The EU law was transposed into Portuguese law by Portuguese lawmakers early 2015.
·        The responsibilities should be clear: the supervisor of Banif is the Bank of Portugal, and it was the Bank of Portugal that put Banif into resolution. It is the Member State that asks for State aid, never the Commission, and it is for the resolution authority to decide to put a bank into resolution if one of the triggers of the BRRD, Article 32 is met. In 2015, the responsible resolution authority was the Bank of Portugal. If the Bank of Portugal had not taken resolution action in 2015, the open State aid procedure would have extended into 2016. If new State aid had been given in 2016, the resolution authority responsible for Banif would have been the EU-wide Single Resolution Board and the full BRRD bail-in rules would have become applicable. However, in this case the Bank of Portugal took the formal resolution decision on 19 December and Portugal notified the resolution aid to the Commission on 20 December with bail-in implemented under Portuguese national law in line with applicable State aid rules.
·        The Commission did not impose that the buyer of Banif be a bank and exclude hedge funds. The resolution strategy was chosen by the Resolution Authority. As the Bank of Portugal has now said, the intention was to be able to open the bank on the Monday in view of financial stability concerns. The Commission's obligation is to approve a sale of business under the State aid framework if there are guarantees that the resulting entity is a viable market participant and will not be requesting State aid again (as was done for example in the cases of Banco de Valencia, Panellinia and Banca Romagna). Otherwise the failing entity has to be wound down. In view of these constraints, receiving bids from strong, sizable banks was the most suitable way forward to increase the likelihood that the resulting entity was viable from day one. In the case of Banif, non-binding offers were submitted from other bidders and only one binding offer came in the course of the weekend on which Portugal decided on the resolution.


Link para a decisão preliminar sobre o HSH  Nordbank:
http://ec.europa.eu/competition/state_aid/cases/249090/249090_1467816_32_2.pdf 
e o comunicado de imprensa:  
http://europa.eu/rapid/press-release_IP-13-589_en.htm


UE precisa de mudar a agenda económica, Portugal é um bom exemplo


Intervenção na sessão plenária do Parlamento Europeu sobre o Semestre Europeu - Relatório de Maria João Rodrigues

24/02/2016

Senhor comissário Dombrovskis, Conselho, bem vindos.

Começo por agradecer a toda a equipa de colegas que foram relatores e em particular à Maria João Rodrigues, pela ECON, este excelente relatório.

A mensagem que o relatório traz é muito clara: é altura de alterar as agenda económica da Europa.

Hoje nos Estados Unidos a crise de 2008 pertence aos manuais da História.

Na União Europeia, no entanto, continuamos a patinar, desculpem-me o plebeísmo, numa recuperação excessivamente débil e no desemprego.

As expectativas hoje para a indústria alemã estão infelizmente ao nível de 2008/2009.

A banca e os seguros começaram de novo a dar sinais de tensão. Porque não há bons negócios se não houver boas empresas rentáveis, e não há empresas rentáveis sem procura interna e sem investimento por mais baixa que seja a taxa de juro.

Na economia não pode só haver oferta, tem de haver procura. E a política económica que temos seguido tem extinguido essa procura através de uma austeridade excessiva.

Hoje qualquer oscilação na economia dos Estados Unidos ou da China perturba a União.

É preciso reajustar a política orçamental, introduzir simetria no ajustamento entre países deficitários e países excendentários. É preciso proteger o investimento estratégico e parece que sobre isso há um consenso. E é preciso completar a união bancária ou a União Europeia perderá o controlo sobre o seu próprio destino.

Portugal é neste aspecto um bom exemplo de que é possível cumprir as regras europeias e assumir uma política mais estimulante do crescimento económico e do emprego.

Mas é preciso que a União e a Comissão em particular, e o Conselho, estejam disponíveis para apoiar alternativas como estas e também mudar a dominante que até agora tem existido na política geral da própria União Monetária.

Com tantos problemas a ameaçarem a União, tenhamos a inteligência de resolver a componente económica porque essa está nas nossas mãos.

Espero que assim aconteça.

Tuesday 23 February 2016

Lançamento do livro sobre os 25 anos do Garcia, a célebre pastelaria e casa de chá portuguesa em Bruxelas

Cerimónia de lançamento do Livro "Garcia, 25 anos" da pastelaria e casa de chá Garcia, célebre pelos seus pastéis de nata, e não só, entre portugueses e estrangeiros em Bruxelas.
É uma história portuguesa de sucesso que ilustra o que os portugueses têm de bom. Parabéns ao Rui e Emília Garcia, e ao Joaquim Pinto da Silva que contou a história desta família!





Saturday 20 February 2016

Acordo para manter o Reino Unido na UE: uma oportunidade perdida para reformar e aprofundar a zona euro

Depois de longas semanas de negociações, os líderes europeus acomodaram parte das reivindicações do Reino Unido para garantir a sua permanência na União Europeia (UE).
Este era, e bem, o objectivo declarado por todos os membros da UE ao longo de um processo que se arrasta há muito.
O acordo alcançado esta noite confere ao Reino Unido o “estatuto especial” pedido pelo seu primeiro ministro, David Cameron para poder convocar até ao Verão um referendo sobre a permanência do país na UE.
Qualquer que seja o resultado – que o Reino Unido permaneça ou opte por sair da UE – o acordo desta noite marcará o futuro da UE num sentido que não será o melhor.
Nenhum dos parceiros europeus mostrou, aliás, qualquer entusiasmo com o resultado obtido
O acordo abre uma brecha no princípio da “união cada vez mais estreita” entre os povos da Europa – relativamente ao qual o Reino Unido deixa de estar vinculado.
O euro deixa também de ser a moeda da UE, como está previsto no Tratado: o Reino Unido - e a Dinamarca – já tinha uma derrogação relativamente à adesão ao euro, fica agora definitivamente livre de qualquer obrigação nesse sentido.
Apesar disso, no entanto, o Reino Unido manterá um direito de observação e interferência nas decisões da zona euro por via da plena participação dos seus representantes na Comissão Europeia – que apresenta as propostas legislativas – e no Conselho de Ministros da UE e no Parlamento Europeu, que tomam as decisões em conjunto.
O inverso, em contrapartida, não é verdade: a zona euro não tem qualquer direito de observação ou interferência nem sobre o Bank of England nem sobre o parlamento britânico relativamente à libra.
O Reino Unido também ficará de fora de qualquer contribuição do orçamento da UE para os programas de assistência financeira aos países do euro.
O acordo consagra igualmente um entrave ao princípio da livre circulação devido às restrições que os britânicos poderão introduzir em termos de acesso às prestações sociais britânicas dos trabalhadores originários dos outros países da UE.
Depois de todas estas brechas abertas na unidade e coerência das regras europeias, esperemos que o novo estatuto seja suficiente para gerar um resultado positivo no futuro referendo britânico.
Esperemos, igualmente, que, se porventura assim não for, David Cameron não regresse a pedir à UE um estatuto ainda mais especial para poder convocar novo referendo que exclua ainda mais o país do que o que já está de muitas políticas e objectivos europeus, abrindo já não brechas, mas verdadeiros rombos na estrutura do projecto europeu.
Esperemos, também, que as cedências agora feitas ao Reino Unido não abram uma caixa de pandora que leve outros países a exigir ser também excluídos das partes das políticas comuns que não lhes agradam. Uma evolução destas marcaria o princípio do fim do projecto europeu.

Esperemos, finalmente, que a questão do Reino Unido se resolva rapidamente e de uma vez por todas para que a UE e a zona euro possam finalmente concentrar-se na resolução urgente dos enormes problemas que enfrentam.