Tuesday 16 February 2016

OE/2016, Banif, União Bancária: Entrevista ao Económico TV, Diário Económico e Antena 1

O vídeo:
http://www.rtp.pt/noticias/conversa-capital/entrevista-com-elisa-ferreira_a894515












A totalidade da entrevista tal como publicada no Diário Económico de 8 /2 / 2016:

“A Comissão Europeia deve pensar em refazer os métodos de trabalho”

08 Fev 2016 Francisco Ferreira da Silva e Rosário Lira 

Elisa Ferreira confia na estratégia de António Costa. E defende que Bruxelas não pode usar diferentes pesos e medidas nas exigências que faz a Portugal e aos outros países.
A eurodeputada socialista acredita que o país enfrenta ainda riscos políticos e económicos sérios. Mas confia que o actual primeiro-ministro tem condições para cumprir o Orçamento do Estado deste ano. E defende que a Comissão Europeia precisa de trabalhar de forma diferente se quiser garantir o equilíbrio entre parceiros.
Estamos em plena análise do Orçamento do Estado para 2016. A proposta vai ao encontro do que esperava?

É um primeiro passo. Este é o primeiro ano. Um primeiro ano em que há muitos testes em curso. Há uma aliança política que obriga a determinados reajustamentos do Orçamento inicial que tinha sido preparado e há um primeiro momento de negociação com Bruxelas, que estava habituada a tratar com um Governo com um determinado perfil e que agora tem lidar com uma realidade diferente. Trabalhar com estes dois mundos em simultâneo é difícil, mas não é impossível. Acho que o primeiro-ministro António Costa é a pessoa certa para fazer este ajustamento e para liderar esta nova estratégia. Tenho muita confiança na fase que vamos começar, mas que não está isenta de riscos. Riscos políticos e riscos económicos sérios.

Que riscos?

O enquadramento internacional está muito instável e a própria União Europeia (UE)está numa situação de pré-fractura permanente. Por isso, é mais importante do que nunca pensarmos quais são os interesses portugueses, definirmos uma estratégia, juntarmos esforços e começarmos a trabalhar naquilo em que acreditamos.

A Comissão Europeia tem dois pesos e duas medidas em relação a Portugal ou a países como França, Itália ou até Espanha?

No Parlamento Europeu disse isso a Jean-Claude Juncker. Disse que a Comissão Europeia, para ser respeitada e credível, tem de ser como a mulher de César, não pode só dizer que é, tem de ser e mostrar que é. Durante o período da crise, a Comissão entrou em processos em que, na minha opinião, perdeu muita credibilidade, nomeadamente porque as estimativas que fez e os programas que recomendou não deram os resultados esperados, nem em termos de crescimento, nem em termos de défices, nem de correcção do desemprego, muito menos em termos de convergência ou de estímulo nos países com mais problemas. Por isso, praticamente desapareceu o investimento e a procura interna e gerou-se estagnação.

Bruxelas está desacreditada?

Quando, a esta distância de 2008, olhamos para a Europa e para os Estados Unidos, vemos as diferenças. A meu ver, o mais grave é que, durante todo este período, de cada vez que as estimativas e a realidade divergiam, não houve a capacidade de reabordar os assuntos com alguma humildade técnica. Isso leva a que a Comissão Europeia seja hoje vista como uma entidade cujas perspectivas e projecções económicas deixam muito a desejar. Claro que em períodos de crise isso é mais difícil, mas houve erros muito grandes e a Comissão ficou fragilizada. Acabamos de ter o Tribunal de Contas Europeu a fazer críticas, absolutamente brutais, à componente técnica que poderão até extravasar as competências estritas do próprio Tribunal de Contas, mas que não deixam de ser muito veementes e muito fortes e, portanto, acho que a Comissão Europeia deve pensar em refazer os métodos de trabalho.

Perde autoridade para exigir medidas a países como Portugal?

França teve mais quatro anos para fazer o ajustamento, Espanha entrou um pouco em roda livre nos últimos meses. Por isso, quando olhamos para as exigências em relação ao défice estrutural português, se pensa que se está a pedir uma redução de modo a atingir -0,5% em 2017 e quando olhamos para França, Itália ou até a Bélgica, vemos défices estruturais calculados pela União Europeia para 2016 de -2,6%, -2,5%, -1,5% ou -2,1%. Portanto, há aqui algum bom senso que acho que tem de entrar também na agenda europeia.

Já disse que a Comissão Europeia é forte com os fracos e fraca com os maiores países .

Quando faço essa acusação é para obter da parte da Comissão um comprovativo de que isso não é verdade. Porque a comissão Europeia tem como objectivo e mandato institucional defender o interesse da União e o equilíbrio institucional tem de ser mantido para que a UE funcione. Os poderes relativos já os reconhecemos na instituição que é o Conselho. O reequilíbrio de forças tem de ser feito nas outras instituições. Na Comissão e no Parlamento. Quando a Comissão Europeia se deixa levar pelos poderes fácticos do Conselho e passa a ser uma espécie de secretariado técnico desse Conselho, abdica de uma função que não lhe é só atribuída pelo Tratado, é uma peça fundamental do equilíbrio na arquitectura difícil que é a UE.

Falava de riscos externos, mas o OE/2016 aumenta a despesa, reduz a receita e, mesmo assim, pretende diminuir o défice. Faz sentido?

Acho que há uma possibilidade de mudança efectiva. E neste momento temos todos a convicção de que a receita que foi quase uniformemente implementada na UE não resultou. Não resultou, porque o esforço que a Comissão fez pode ser concretizado, materializado, exercido em relação aos países que têm posições deficitárias, mas a Comissão é completamente inócua relativamente à necessidade de ajustamento dos países com excedentes brutais.

Está a falar da Alemanha?

Sim, porque vai acumulando excedentes e não os transforma em investimento ou em aumento da procura interna. 

“Temos de relançar as bases do país”

Portugal precisa de refazer a máquina administrativa e áreas como o investimento, defende.
Elisa Ferreira defende que o relançamento da economia precisa de uma inversão no ciclo do investimento privado.
É acertado assentar a política económica no aumento da procura interna?

Essa não é a política económica a dez anos. É a política económica a dez meses. E a dez meses, antes de mais nada, é preciso evitar a derrocada da economia nacional no sentido em que estávamos a ir. Porque podemos, para estrangeiro ou Comissão ver, pintar as coisas de uma forma muito positiva.

As estatísticas não estão correctas?

As estatísticas estão a ser revistas, nomeadamente em relação ao que eram as coroas de glória. A redução do défice estrutural, em grande medida, estava construída através de ajustamentos temporários que foram, na altura, classificados como ajustamentos estruturais. Era como se os cortes nas pensões ou o aumento da sobretaxa do IRS fossem mudanças estruturais na economia.

Foram aceites em Bruxelas?

Pois. Esse é um assunto que se tem de investigar. Daí algumas alegações de que talvez haja alguma interferência, às vezes ideológica. Como é que esses cortes foram identificados como definitivos e como uma mudança estrutural na máquina do Estado português.

A Comissão já lhe respondeu?

Ainda não fiz a pergunta, formalmente. Porque só na discussão deste Orçamento é que o detalhe dessas classificações veio a lume. É um assunto que tem de ser discutido, mas o ajustamento não foi tão grande assim. Mais do que isso, o investimento privado teve uma quebra brutal, porque deixou de haver dinâmica económica no mercado. Este ciclo tem de ser invertido.

E é com consumo que se vai dinamizar o investimento?

Esse relançamento faz-se, não a todos os níveis do consumo, mas repondo alguns níveis mínimos de decência das pessoas que trabalham e que estão cada dia mais pobres e de pessoas envelhecidas, que têm direito a uma pensão e ela foi cortada. São os mínimos dos mínimos numa sociedade. Não me parece que se o país se organizasse apenas na base da procura interna houvesse futuro. De facto, não. Mas há uma transição.

O que deve fazer Portugal?

Temos de fazer o nosso próprio balanço e começar a refazer a máquina administrativa, o emprego, o investimento e relançar as bases do país. Claro que não acho que estava tudo bem. Mas o que é preciso agora é discutir e implementar aquilo que para nós é fundamental, isto é o investimento estratégico, a protecção dos mais qualificados, a transformação da qualidade e da qualificação em valor acrescentado. Temos de ter a nossa agenda interna, muito para além daquilo que tem sido feito.

“Não é possível ter cada país com um mecanismo fiscal diferente”

Eurodeputada defende maior harmonização e transparência fiscal entre Estados-membro.
A captação de investimento na Europa é selvagem, acusa a eurodeputada, o que leva os países a usar os impostos como isco.
Como acha que as empresas vão receber este Orçamento?

Não podemos fazer a separação entre empresas exportadoras e as outras que ficam mortas, porque é isso que acontece. Pequenas empresas com alguma viabilidade e que começavam no mercado interno, para depois passarem à dimensão de exportação, precisam de ter procura. Neste momento, não há procura interna na Europa nem em Portugal. Essa ausência cria um ciclo negativo que é preciso ultrapassar.

Temos de exportar?

Antes dizíamos que esta era uma pequena economia aberta. Hoje, Portugal é uma pequena economia fechada. Exportamos 40% do que produzimos e estamos a comparar-nos com países como a Bélgica ou a Irlanda que exportam 90% ou 100%.

Mas aumentámos?

Aumentámos. Mas não podemos pensar em ter um ‘export-led model’ de repente. Não podemos passar de 40% para uma dimensão de exportação tão forte que vá ter um poder de arrastamento, de um ano para o outro, sobre toda a economia.

Acha possível captar investimento nacional ou estrangeiro?

Acho, mas temos de pensar de forma realista. A concorrência para a captação de investimento na Europa é selvagem. Não é possível continuar numa Europa onde harmonizamos tudo, como o tamanho das maçãs, e cada país inventar os mecanismos fiscais que mais lhe interessam para atrair investimento.

Como é que se faz?

Há mínimos e convenhamos que há países como o Luxemburgo, a Holanda ou o Liechtenstein que têm uma estratégia apenas de atrair dinheiro.

Investimento financeiro?

Apenas. Criam uma caixa postal. Isentam as empresas que lá declaram os lucros que realizaram noutras jurisdições, mas não vão verificar se os impostos sobre esses lucros foram ou não pagos nessas outras jurisdições. O que significa que as multinacionais declaram o que podem nestes pseudo-paraísos fiscais e pagam 1% ou 2%.

Por isso defende que os impostos sejam pagos nos países onde as empresas têm actividade?

A ideia central é essa, mas isso passa por haver uma posição de decência na partilha de esforços entre os Estados e entre as empresas, porque as pequenas empresas a concorrerem com grandes multinacionais neste mundo selvagem é, moral e eticamente, impensável. E tenho-o dito ao sr. Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, socialista e ministro das Finanças da Holanda, explicar aos contribuintes e cidadãos portugueses que se podem exigir cortes de salários e pensões e, ao mesmo tempo, incutir um bom relacionamento com a Holanda quando, em relação a empresas que podiam declarar os lucros em Portugal, o governo holandês oferece vantagens competitivas tão grandes, em matéria fiscal, que faz com que as empresas em vez de declararem os lucros aqui, os declarem lá.

O que propõe?

Há que fazer um esforço nos impostos directos das empresas que passa pela harmonização do modo como se calcula a base de incidência. O que é isentável e o que não é isentável. Depois, provavelmente, evoluiremos para corredores que podem ser entre 11% (os irlandeses têm 11,5%) e 20%. Além disso, tem de haver transparência e prestação de informações entre as administrações fiscais. 

“Não percebo como o Estado não foi mais activo no Banif”

Elisa Ferreira está convicta que foi o risco de medo sistémico que tornou a solução para o Banif tão custosa. E alerta que há muitas questões e responsabilidades para apurar.
A eurodeputada recorda que, já em 2013, questionou o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, sobre os problemas identificados no Banif.
Com a União Bancária, tanta supervisão e tantos poderes ao nível de Bruxelas, como é que ainda há bancos a colapsar?

Durante a crise, houve bancos a entrar em falência, por motivos vários, e os Estados tiveram de intervir para segurar a banca. Na Europa, 26% do PIB foi posto à disposição do sistema financeiro, ou seja mais de um quarto do PIB europeu. O que está agora a acontecer em Portugal ou o que aconteceu em Itália ainda não é a União Bancária a funcionar. A União Bancária funciona só para os países da zona euro. Para toda a União Europeia existem regras e, entre elas, foi adoptada uma nova legislação sobre resolução bancária. A BRRD, como ficou conhecida, é uma directiva, o que permite uma certa flexibilidade na transposição para a legislação nacional. Levou a uma mudança radical de cultura, com matizes, país a país.

Há diferenças entre BES e Banif.

Sim. O BES estava a ser supervisionado a nível europeu. O Banif estava a ser supervisionado a nível nacional. É que, embora a supervisão deva tender a ser uniforme, na prática, enquanto os grande bancos europeus – entre 130 e 140, conforme as classificações – são supervisionados pelo supervisor europeu e os bancos mais pequenos são supervisionados numa parceria entre o supervisor nacional e o supervisor europeu. Isto introduz ainda mais diferenças.

No caso do Banif, pensava-se que estava a cumprir com os rácios exigidos e foi alvo de um processo de resolução. É difícil de entender.

O Banif é um assunto sobre o qual, neste momento, não me queria pronunciar, porque não conheço o detalhe do funcionamento do banco. Dito isto, há, claramente, uma lista de questões que espero que o inquérito que está em curso na Assembleia da República ajude a clarificar. Mas também, a nível europeu, é preciso clarificar quem é responsável por cada fase. Além disso, é preciso que, neste momento, de transição para a União Bancária que a transição corra bem.

Senão pode morrer?

Disse exactamente isso a Mario Draghi na intervenção que fiz no Parlamento Europeu. E um dos aspectos em que este novo enquadramento tem de correr bem é na articulação de competências entre a Direcção-Geral de Concorrência – que tinha e continua a ter competências no sentido de evitar que as ajudas de Estado, que são proibidas por princípio, mas que, em determinadas condições, podem ter lugar. A própria BRRD permite uma intervenção do Estado de carácter preventivo, isto é quando há risco sistémico.

Não acha estranho o nível de dinheiros públicos que foi envolvido na resolução do Banif?

Completamente. E esse é um assunto em relação ao qual não posso dar uma resposta antes de colocar todas as perguntas. Partilho da ansiedade e da angústia de clarificar como as coisas acontecem assim.

Não corresponde à mudança de paradigma.

Não. Mas, mais uma vez, o Banif, como o BES, não são a União Bancária. Aliás, um dos aspectos que fez com que em Itália, Portugal ou Grécia houvesse alguma precipitação foi, precisamente, para evitar que os bancos caíssem no quadro da União Bancária e ficassem já sob a alçada da resolução europeia.

Porquê?

Porque a interpretação rígida, quando há este poder nas mãos de Bruxelas, vai ser de “bailinar” - que é o nome que ficou na gíria -, ou seja de imputar perdas a, pelo menos, 8% dos passivos do banco, antes de ser possível qualquer entrada de capital ou qualquer entrada do fundo de resolução. Bati-me imenso na discussão da BRRD para que esse limiar não fosse rígido, para que houvesse algum tempo para que isso acontecesse – nos EUA esse limiar não é rígido, fica nas mãos do FDIC, que é o sistema de garantia de depósitos. Ora, ao tocar na dívida sénior e ao imputar perdas aos depositantes acima de 100 mil euros é muito provável que se gere um risco sistémico e que se precipitem os problemas dos bancos.

É tudo experimental?

Estamos a construir um processo e aquilo que me parece importante é termos o máximo de cautelas. Acho que foi isso que fez com que a solução Banif acabasse por ser tão custosa. Foi o medo do risco sistémico. E a verdade é que há coisas que não se explicam. Não percebo, por exemplo, como é que em 2013 – na altura levantei a questão ao ministro Vítor Gaspar – num banco com tantos problemas e com tantas dúvidas não se partiu para uma divisão do banco em duas partes.

Está a falar do BES ou do Banif?

Do Banif e dos 1.100 milhões de euros da intervenção. Também não percebo por que é que depois o Estado não foi mais activo.

E a ‘troika’? Não devia ser mais activa?

A ‘troika’ identificou imparidades dentro do banco, mas o que a ‘troika’ fez no sistema financeiro português deixa muito a desejar. O que é que fez, exactamente, em relação à consolidação do sistema bancário? Não é muito claro. Quero ainda dizer que em relação à União Bancária, apelo para que as várias entidades se sentem à volta de uma mesa, aqui e em Bruxelas, façam o ponto da situação e vejam o que é preciso corrigir. Porque o que é perigoso é que digam que está tudo feito e agora tem de funcionar, mesmo que seja à força.

“Preocupa-me imenso a situação que a banca vive”

Este é o momento de começar a discutir uma visão para a banca nos próximos anos, defende.
Casos como o BES ou o Banif são um sinal da fraca experiência de Portugal nas resoluções bancárias. “Estamos a aprender à nossa custa”, lamenta.
Concorda com o que aconteceu no Novo Banco em que, a meio do processo, foram mexer nas obrigações seniores?

Não vou fazer juízos. Mas, legalmente, é possível.

E é aceitável?

Não sou capaz de fazer um juízo sobre essa matéria.

Mas vale a pena pensar?

Vale. Isso teve um impacto evidente nos que foram mais penalizados. Os grandes fundos, como o BlackRock ou o Pimco.

E que estão agora a decidir o que vão fazer.

Há sempre uma multitude de processos judiciais que estes processos geram. É normal.

O ‘Financial Times’ dizia que o Governo português “chocou de frente” com os investidores internacionais.

Pois, mas os investidores estrangeiros estão habituados a isto e, aliás, são remunerados e apostam em função da avaliação de risco que fazem. Esse é o negócio deles.

Mas a questão de princípio não tem de ser avaliada? O processo que devia terminar ali, afinal, voltou atrás…

O processo só termina quando o assunto fica resolvido. Não termina quando achamos que está terminado. Há uma experiência reduzida em Portugal sobre resoluções bancárias. Estamos a aprender à nossa custa.

Talvez mais do que queríamos?

Pois. E a ideia de que pode rebentar um grande banco como o BES e está tudo sob controlo, não é verdade. É como rebentar uma grande barragem ou uma central nuclear. Na economia, tem um impacto brutal.

A Garantia Comum de Depósitos vai avançar?

É um dos elementos pelos quais me estou permanentemente a bater. Os italianos estão connosco, os franceses e os espanhóis também. Inicialmente, a União Bancária tinha três pernas e, neste momento, só estão duas. A primeira, a supervisão única vigora desde Novembro de 2014. A resolução única entrou em vigor a 1 de Janeiro deste ano. Mas a Garantia Comum de Depósitos, que era o terceiro pilar, que dava estabilidade ao sistema, não avança. Ao nível do Conselho há uma luta enorme. Outra coisa que devia avançar era uma espécie de protecção financeira por detrás do Fundo de Resolução, que era uma linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilização. Mas o Conselho de Ministros das Finanças, na reunião de Dezembro, resolveu que ia substituir isso por linhas de crédito nacionais.

Tem de haver uma união financeira ou orçamental?

Para ter um orçamento muito mais robusto? Para fazer reforços? Claro que sim. Agora, politicamente, é uma coisa para as calendas. Já não será para as calendas utilizarmos aquilo que já foi criado: o Mecanismo Europeu de Estabilização. Deve recordar-se que, quando foi criado, a Alemanha propôs que, quando houvesse uma supervisão única, o mecanismo pudesse financiar, directamente, o capital de bancos viáveis. O que seria um alívio neste momento.

Nas resoluções do BES e do Banif houve muitas críticas ao Banco de Portugal. Concorda?

Não sou capaz de criticar ninguém sem perceber todo o filme da história. Criticar é fácil. Difícil é saber como é que as acções de várias entidades, conjugadas, geraram determinados efeitos que não eram os que queríamos. Temos de perceber por que é que, por exemplo, o Banif esteve desde 2013 até Junho de 2015 debaixo de uma espécie de tutela híbrida da Direcção-Geral da Concorrência e houve seis ou sete propostas de reestruturação do banco que foram rejeitadas?

E quem devia comprar?

Por exemplo. Como é que foi essa questão da venda? Há muitos intervenientes, Direcção-Geral da Concorrência, Banco de Portugal, Ministério das Finanças... Porque, a partir do momento em que o banco fica nesta situação, o responsável é o Estado – e o Estado, representado pela anterior ministra das Finanças, que responsabilidade tem, ou não tem, na negociação com Bruxelas? Como é que um banco está naquelas circunstâncias, a perder valor todos os dias, e ninguém faz nada? O Banco de Portugal também entra aqui. E devo dizer que não percebo como é que a supervisão única está envolvida. Há um ‘email’ que tem de se perceber como é que veio e porquê. Portanto, dizer que esta ou aquela entidade é responsável, é fácil. Mas será legítimo?

Preocupa-a a situação que a banca vive neste momento?

Preocupa-me imenso e é preciso começarmos a discutir nacionalmente e com Bruxelas qual é a nossa visão para a banca nacional daqui a cinco ou seis anos.

O que mais a preocupa?

Preocupa-me o facto de a Caixa, o grande banco público, não poder intervir em determinados momentos porque aceitou CoCo’s (obrigações contingentes convertíveis). O não reconhecimento da supervisão angolana como equivalente à supervisão europeia, o que obriga a uma determinada partição. E, quando se está a fazer o ‘bail in’, a imputar perdas grandes aos accionistas, e, ao mesmo tempo, a requerer à banca que vá ao mercado obter reforços de capital. Outra coisa que é preciso começar a pensar é aquilo que se faz com os créditos incobráveis ou dificilmente cobráveis – ‘non-performing loans’ – e o que se faz aos veículos criados com a parte má dos bancos. Porque é necessário, no pós-crise, limpar estes pesos que acabam por impedir a banca de desempenhar as suas funções habituais. E a banca é o coração da economia. É o sangue de todo o sistema.


Os links:

“A Comissão Europeia deve pensar em refazer os métodos de trabalho”

http://economico.sapo.pt/noticias/a-comissao-europeia-deve-pensar-em-refazer-os-metodos-de-trabalho_241978.html 

“Temos de relançar as bases do país”

http://economico.sapo.pt/noticias/temos-de-relancar-as-bases-do-pais_241979.html

“Não é possível ter cada país com um mecanismo fiscal diferente”

http://economico.sapo.pt/noticias/nao-e-possivel-ter-cada-pais-com-um-mecanismo-fiscal-diferente_241980.html

“Não percebo como o Estado não foi mais activo no Banif”

http://economico.sapo.pt/noticias/nao-percebo-como-o-estado-nao-foi-mais-activo-no-banif_241981.html

“Preocupa-me imenso a situação que a banca vive”

http://economico.sapo.pt/noticias/preocupame-imenso-a-situacao-que-a-banca-vive_241982.html

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