Thursday 23 July 2015

Os Estados Unidos e a União Europeia - algumas reflexões


Visita relâmpago aos Estados Unidos para encontro anual com os grandes reguladores e supervisores macroeconómicos e dos mercados financeiros: IMF, FED, SEC, CFTC, Controler of the Currency, FDIC, membros do Senado e do Congresso

Para os EUA a crise está passada e, até ao fim do ano, a FED começará a aumentar lentamente as taxas de juro - o desemprego está próximo da taxa natural - em torno dos 5%, embora haja progressos a fazer em termos de qualidade dos postos de trabalho e investimento.

A cooperação com a União Europeia interessa mas está perturbada por dois fatores: o ambiente de campanha eleitoral que está instalado e a clara sensação de que a Europa está sem rumo.

Sobre este último aspeto a perplexidade sobre o modo como está a ser gerida a crise e, em particular o caso da Grécia, ressuscitam indisfarçáveis dúvidas sobre a viabilidade e solidez da União Europeia e do Euro.

Ainda a propósito, a indispensabilidade de uma reestruturação da dívida grega é agora assumida abertamente como posição oficial do FMI ! (Há umas semanas essa posição não existia e talvez tivesse dado jeito)



Friday 17 July 2015

Reflectir com cabeça sobre a Grécia


Reflectindo sobre a Grécia durante um debate na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu (ECON)

Mais uma vez obrigada, Mario Draghi!

Devemos uma vez mais a Mario Draghi a sua determinação em salvar o euro, sobretudo quando tantas forças parecem conspirar para o destruir.

A decisão do Banco Central Europeu (BCE) de aumentar o financiamento de emergência (ELA) aos bancos gregos em 900 milhões de euros ao longo de uma semana confirma que, para Draghi, a Grécia "é e permanecerá" no euro, como fez aliás questão de o dizer preto no branco. Esta postura coloca-o em rota de colisão com o ministro alemão das finanças, Wolfgang Schäuble, que continua a considerar que uma saída da Grécia do euro - um Grexit - será a melhor opção para a zona euro e para a Grécia.

Mesmo se o montante é pouco significativo (face aos 89 mil milhões de euros já fornecidos pelo BCE por esta via) a decisão de Draghi garante que os bancos gregos poderão reabrir, mesmo se de forma limitada, depois de quase três semanas de encerramento forçado para evitar fugas de capitais associadas aos receios de uma saída da Grécia do euro.

Mas Draghi defendeu ainda sem ambiguidades o seu apoio a um perdão da dívida grega, o que o coloca, de novo, contra a posição da Alemanha que apenas aceita prolongar prazos de reembolso e baixar taxas de juro.

"É incontroverso que um alívio é necessário, e penso que nunca ninguém o contestou. A questão é saber qual é a melhor forma de alívio de dívida no nosso (...) enquadramento legal e institucional. Penso que nos focalizaremos neste ponto nas próximas semanas", disse Draghi na conferência de imprensa que se seguiu hoje à reunião quinzenal do Conselho de Governadores do BCE.

Obrigada, Mario Draghi! Não deixarei de expressar o meu agradecimento no nosso próximo debate no Parlamento Europeu

 

Tuesday 14 July 2015

A minha opinião sobre a Grécia num debate da TVI

Participação num debate sobre a Grécia na TVI, Domingo 12 de Julho de 2015, às 22 horas

https://www.youtube.com/watch?v=d3dn2G4vBZ4&feature=youtu.be

Tsipras: Para lá das candidaturas

Artigo publicado no Público de Domingo, 12 de Julho de 2015
 
No momento em que escrevo, mantenho a esperança de que chegaremos ao dia de hoje já com um acordo entre os líderes dos países da Zona Euro (ZE) que assegure o financiamento (mesmo que parcial) da Grécia nos próximos meses, afastando o risco que nunca foi tão real de assistirmos ao início do desmantelamento da moeda única europeia, o projecto mais emblemático da Europa.

Se assim for, é de esperar que todos os envolvidos possam finalmente tirar as lições que se impõem sobre as razões da impotência flagrante da ZE - com um PIB de 15 biliões de euros – em resolver o problema da dívida de 330 mil milhões de euros da Grécia - país que representa apenas 2% do seu PIB e população.

A verdade é que, alheia ao que se passa à sua volta – a explosão dos fundamentalismos, os milhares de fugitivos afogados na tentativa de alcançar a Europa, a reconfiguração do poder mundial – a ZE, economicamente estagnada, socialmente desagregada e transformada num "saco de gatos", mantém-se, há anos, centrada num único problema sem que ninguém queira assumir responsabilidades. Mesmo com um acordo sobre a Grécia, é duvidoso que este problema possa ser definitivamente resolvido sem uma alteração estrutural e profunda do funcionamento da própria ZE.

Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego, falou quarta-feira no Parlamento Europeu (PE). Ninguém de bom senso poderá classificar as suas intervenções como radicais ou demagógicas. Não sou sua apoiante nem do Syriza, mas o que Tsipras disse é basicamente o mesmo que tenho dito, e escrito, desde 2010: a dívida de um Estado só pode ser paga se a sua economia crescer e por essa via conseguir gerar excedentes.

Ora a lógica dos programas de ajustamento impostos à Grécia como contrapartida dos empréstimos da ZE e FMI foi uma espécie de "conta de chegar", como dizem os brasileiros e como descreve o famoso economista Barry Eichengreen: "os credores calcularam de início o excedente primário necessário ao reembolso da dívida" e "a seguir forçaram o país a esmagar despesas e a cobrar impostos de modo a obter esses excedentes". Ou seja, os países do Euro e o FMI "ignoraram o facto de que, ao fazê-lo, condenaram o país a uma depressão ainda mais profunda", na qual, acrescento eu, a dívida e o empobrecimento florescem.

Este é o dogma da substância dos processos de ajustamento ao qual acresce uma questão de método: no debate de quarta-feira, do lado "europeu" estavam Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia e Donald Tusk, presidente das cimeiras da UE e da ZE. Em contrapartida, não estavam o presidente do Eurogrupo, o FMI e os altos funcionários da "Troika", nem Angela Merkel, e o seu ministro Wolfgang Schäuble, que têm condicionado todas as decisões "europeias" nesta matéria. Com tantos atores, quem são os responsáveis pelo falhanço permanente na resolução do problema grego que, longe de ser apenas grego, é um problema de toda a ZE? E, mais ainda, se o Euro se desfizer?

Do lado europeu, a responsabilidade é sempre diluída entre numerosos atores, mas, no que toca à Grécia, todos os dedos apontam um único culpado: o primeiro-ministro. Tsipras é culpado porque a Grécia "não fez ajustamento nenhum" nem verdadeiras reformas, porque as estatísticas não são fiáveis, porque apresentou propostas irrealistas, porque é arrogante, porque convocou um referendo (em resposta, ao que consta, a um ultimato da ZE), porque no fundo quer sair do Euro sem ter os custos correspondentes, porque é um comunista que telefona a Putin, porque quer que os gregos recebam mais dinheiro para continuarem a esbanjá-lo sem trabalhar, porque não usa gravata e isso é uma provocação…

Tudo isto se tem ouvido nas hostes "europeias", num coro multifacetado mas constante. Durante o debate no PE foram os conservadores do PPE, nomeadamente os alemães da CDU, quem melhor verbalizou este radicalismo. Porque é de radicalismo que falamos, como se a Alemanha e aliados já tivessem decidido eliminar do Euro a Grécia e os seus problemas. A única voz moderada tem vindo de Juncker e, entre os líderes nacionais, do francês Hollande - que tem sido muito ativo na busca de um acordo - e, por vezes, do italiano Renzi.

Tsipras pode ser tudo isso - não sei. Mas com a evidência que tenho - e que confirmei com a sua prestação no PE - penso que o seu pecado capital é ousar contestar abertamente a agenda "europeia", o que a política instalada de "consensos" não admite. O consenso europeu exige uma obediência total ao dogma da austeridade na versão da direita europeia que, a partir da "grande coligação alemã" (CDU/SPD), consegue juntar no mesmo coro muitos dos protagonistas socialistas, sobretudo do norte da Europa: vejam-se as declarações de Sigmar Gabriel, líder do SPD alemão, do holandês Dijsselbloem e até de Martin Schulz, presidente do PE, que entretanto as desmentiu.

Mas a questão central é saber se a tal política de austeridade, impondo custos, ao menos funciona, ou se, pelo contrário, a sua eficácia é questionável. Os dados confirmam a segunda hipótese: sob a alçada tutelar da Troika, a Grécia reduziu de forma histórica, entre 2009 e 2014, o défice orçamental estrutural (num montante equivalente a 20% do PIB), perdeu no ajustamento mais de um quarto do PIB e deixou 50% dos jovens no desemprego.

Foi este o preço a pagar para endireitar a economia e criar as bases para o crescimento e uma competitividade acrescida? O que é dramático é que a resposta é obviamente negativa, como ilustram as críticas que pululam no seio dos próprios donos da agenda dominante, a par da explosão da dívida provocada pela austeridade.

Quem assume a responsabilidade por este sacrifício inútil? Não é honesto nem sequer correto apontar responsabilidades a Tsipras que governa há cinco meses um país com problemas que se arrastam há décadas.

Pode-se criticar os gregos por dizerem "basta", não ao Euro, mas a esta política? Pode-se pedir a Tsipras que se cale e obedeça?

 Em concomitância com o debate no PE, o governo grego enviou aos parceiros o seu pedido formal de ajuda do ESM, o mecanismo europeu de estabilidade criado em 2013 para apoiar os países com problemas de liquidez. Este apoio está condicionado a uma série de contrapartidas, nomeadamente em termos de reformas estruturais.

Veremos o que decidirão hoje os líderes europeus e que amarras serão colocadas nestas contrapartidas. Esperemos que permitam o lançamento das bases mínimas para uma solução duradoura para a Grécia. O que, mesmo assim, não nos livra da obrigação de refletir e de tirar as devidas lições de todo este processo.

Se, em contrapartida, as contrapartidas forem um pretexto para regressar ao mesmo, estaremos a cavar o fim do Euro. Se assim for, não contem comigo para dizer que a culpa é de Tsipras.

 

 

 

Wednesday 8 July 2015

Alexis Tsipras no Parlamento Europeu

Hoje, no debate no Parlamento Europeu com o primeiro ministro da Grécia, Alexis Tsipras

https://www.youtube.com/watch?v=X_r0awrSthw

Homenagem a Maria Barroso no Parlamento Europeu

Na impossibilidade de estarem hoje presentes no funeral da Dra. Maria Barroso por causa da sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, os eurodeputados socialistas portugueses organizaram uma breve cerimónia de homenagem à mesma hora em que decorria o funeral em Lisboa.

Foi uma cerimónia simples mas que contou com a presenta de eurodeputados de todos os partidos, e em que foi o legado da antiga Primeira Dama foi invocado com emoção.

Não havia momento mais oportuno nem uma maneira mais sincera de prestar esta homenagem do que no Parlamento Europeu em que a Europa vive um dos momentos mais críticos da sua história. É de facto impossível nós portugueses pensarmos na Europa sem pensar nas convicções deste casal em prol da liberdade e da democracia.






 

 

Friday 3 July 2015

Esperemos que a semana que acaba não fique como um marco tristemente histórico na vida da UE

1. O mais simples seria cantar com o coro anti povo grego: "não fizeram esforço nenhum" - apesar de, sob a alçada tutelar da troika terem reduzido de forma histórica o défice orçamental estrutural num montante equivalente a 20% do PIB entre 2009 e 2014, perdido, no ajustamento, mais de um quarto do PIB e deixado 50% dos jovens no desemprego -; anti-Grécia: "o Estado não funciona e as estatísticas não são fiáveis" - apesar de, após 5 anos de "reformas estruturais", as acusações serem as mesmas das da data de adesão - ; e anti-Syriza, anti-Tsipras e anti-Varoufakis - "radicais, sem experiência governativa e prometendo uma agenda que não tinham condições de cumprir" - como se a eleição do Syriza não fosse o grito de desespero dos Gregos depois de os Socialistas primeiro, e os Conservadores da Neo Democracia depois, terem sido sacrificados no altar da austeridade. Algumas destas últimas acusações assentam aliás como uma luva noutros governos, em particular o português.

 2. Dito isto, reconheça-se que há uma dose de verdade nestas acusações. O que falta é acrescentar outras verdades, bastante mais inconvenientes, que o discurso dominante tenta meter debaixo do tapete.
 
A primeira é que, na gestão da crise grega, a União Europeia escancarou, perante o mundo, uma fragilidade política e institucional aterradora: uma proposta grega (de continuação da assistência financeira em troca de novas reduções de despesas e de reformas estruturais) que foi louvada no dia 25 de Junho ao mais alto nível da Comissão Europeia, era, no dia 26, arrasada em track changes pelo FMI para, no dia 27, ser transformada numa nova versão que foi apresentada aos gregos como um ultimato do Eurogrupo de "pegar ou largar". "Entalado" por um parlamento renitente, o Governo grego respondeu nessa noite com o anúncio de um referendo. Novas trocas de propostas sucederam-se nos dias seguintes, em que o acordo chegou a ser dado como iminente, admitindo-se mesmo que o referendo poderia ser anulado ou incidir sobre o novo entendimento. Mas já era tarde: a chanceler alemã, Angela Merkel, informou entretanto que só negociaria depois do referendo.

Isto é a Europa?

A segunda verdade, e que as instituições europeias não conseguem admitir, é que, se a dívida grega se tornou uma bola de neve imparável, foi em grande parte devido ao falhanço total da agenda de austeridade.

Como diz o conhecido economista americano, Barry Eichengreen "os credores calcularam de início o excedente primário necessário ao reembolso da dívida" e "a seguir forçaram o país a esmagar despesas e a cobrar impostos de modo a obter esses excedentes". Ou seja, os credores "ignoraram o facto de que, ao fazê-lo, condenaram o país a uma depressão ainda mais profunda", na qual, acrescento eu, a dívida e o empobrecimento florescem de braço dado. Podem os cidadãos sufragar uma agenda que cada dia os arruína e endivida mais?

A terceira verdade, é que, nesta semana, se tornou evidente que a TINA (there is no alternative) em matéria económica está rapidamente a degenerar numa TINA partidária. Esta agenda indisfarçável começa na pressão da CDU sobre Merkel, é propagandeada pelo Eurogrupo e pelo seu presidente, Jeron Dijsselbloem, e termina numa "campanha europeia" que inclui ameaças explícitas ou implícitas de que um "não" no referendo obrigará a Grécia a sair do euro. Na prática, afirmações destas implicam que, se os gregos disserem "sim" à estranha pergunta do referendo, estarão a votar uma moção de rejeição do governo Syriza e a repor um governo alternativo. Governo este que praticamente só poderá ser constituído em torno do maior partido que resta - ND - irmão da CDU alemã, embora eventualmente com uma coligação que não será mais do que simbólica com o que hoje resta dos socialistas gregos (Pasok e To Potami). Pelo caminho, tal como o Financial Times reconhece, vai um presentinho para Mariano Rajoy, ameaçado pela popularidade do Podemos.

3. Qual o papel dos socialistas europeus no meio deste cenário? A esquerda moderada europeia está hoje a sofrer as consequências da sua opção (ou incapacidade) de se distanciar política e ideologicamente, a nível europeu, da agenda austeritária dominante imposta desde 2010 pelos conservadores. O debate intenso dentro do grupo político europeu - S&D - nunca conseguiu gerar uma posição comum clara e percetível pelos cidadãos enquanto discurso claramente alternativo. A clivagem Norte-Sul sente-se também aí.

Não, os socialistas não estão todos ao lado de Merkel. Ao contrário do que alguma imprensa portuguesa parece fazer crer - "François Hollande alinha-se com Merkel sobre a Grécia", Expresso de 2/7/2015 - a imprensa europeia confirma de forma clara a existência de fortes tensões entre Hollande e Merkel a propósito da crise grega. Durante todo este lamentável processo negocial, os socialistas franceses, italianos, portugueses e alguns alemães estiveram ativamente por trás das peças construtivas das negociações. A verdade, todavia, é que todo este trabalho de conciliação e moderação da agenda, incluindo o do presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, fica comprometido com declarações públicas, algumas duríssimas, de responsáveis socialistas, nomeadamente de Sigmar Gabriel, líder do SPD alemão, Dijsselbloem - e, infelizmente também, após a rotura das negociações, de Schulz - que não permitem distinguir a agenda socialista da conservadora.

Deste apagamento público dos socialistas europeus enquanto alternativa consistente à TINA no quadro da União Europeia, resultam duas conclusões: por um lado, há um risco muitíssimo sério de que cada vez mais cidadãos europeus procurem respostas em opções partidárias e ideológicas radicais de esquerda e de direita, fora do quadro pró europeu, para a frustração, desespero e ausência de futuro resultantes da austeridade.

 Mais preocupante do que o Syriza e o alegado radicalismo de esquerda na Grécia é o grupo de Marine Le Pen (líder da extrema-direita francesa) que acaba de ser formalmente constituído no Parlamento Europeu, e cuja ideologia é largamente alimentada pela "vacina" imposta a Atenas.

Uma segunda conclusão é que cada vez mais é evidente que, hoje mais do que nunca, a estratégia política que António Costa tem vindo a seguir é mais do que correta e fundamental e tem de ser apoiada. Cabe aos socialistas demonstrar que há alternativa à TINA e à terrível agenda recessiva, dentro da União e não fora dela, antes que seja demasiado tarde.
 
Foi por isso que, no congresso dos socialistas europeus que teve lugar na Hungria a 12 e 13 de Junho, foi António Costa, em parceria com Pedro Sanchez (líder do PSOE espanhol), quem protagonizou os momentos fortes do evento, traçando os eixos fundamentais de uma agenda comum alternativa que não mais pode tardar a consolidar-se e tornar-se visível aos cidadãos, não apenas em Portugal mas igualmente a nível europeu.