Friday 3 July 2015

Esperemos que a semana que acaba não fique como um marco tristemente histórico na vida da UE

1. O mais simples seria cantar com o coro anti povo grego: "não fizeram esforço nenhum" - apesar de, sob a alçada tutelar da troika terem reduzido de forma histórica o défice orçamental estrutural num montante equivalente a 20% do PIB entre 2009 e 2014, perdido, no ajustamento, mais de um quarto do PIB e deixado 50% dos jovens no desemprego -; anti-Grécia: "o Estado não funciona e as estatísticas não são fiáveis" - apesar de, após 5 anos de "reformas estruturais", as acusações serem as mesmas das da data de adesão - ; e anti-Syriza, anti-Tsipras e anti-Varoufakis - "radicais, sem experiência governativa e prometendo uma agenda que não tinham condições de cumprir" - como se a eleição do Syriza não fosse o grito de desespero dos Gregos depois de os Socialistas primeiro, e os Conservadores da Neo Democracia depois, terem sido sacrificados no altar da austeridade. Algumas destas últimas acusações assentam aliás como uma luva noutros governos, em particular o português.

 2. Dito isto, reconheça-se que há uma dose de verdade nestas acusações. O que falta é acrescentar outras verdades, bastante mais inconvenientes, que o discurso dominante tenta meter debaixo do tapete.
 
A primeira é que, na gestão da crise grega, a União Europeia escancarou, perante o mundo, uma fragilidade política e institucional aterradora: uma proposta grega (de continuação da assistência financeira em troca de novas reduções de despesas e de reformas estruturais) que foi louvada no dia 25 de Junho ao mais alto nível da Comissão Europeia, era, no dia 26, arrasada em track changes pelo FMI para, no dia 27, ser transformada numa nova versão que foi apresentada aos gregos como um ultimato do Eurogrupo de "pegar ou largar". "Entalado" por um parlamento renitente, o Governo grego respondeu nessa noite com o anúncio de um referendo. Novas trocas de propostas sucederam-se nos dias seguintes, em que o acordo chegou a ser dado como iminente, admitindo-se mesmo que o referendo poderia ser anulado ou incidir sobre o novo entendimento. Mas já era tarde: a chanceler alemã, Angela Merkel, informou entretanto que só negociaria depois do referendo.

Isto é a Europa?

A segunda verdade, e que as instituições europeias não conseguem admitir, é que, se a dívida grega se tornou uma bola de neve imparável, foi em grande parte devido ao falhanço total da agenda de austeridade.

Como diz o conhecido economista americano, Barry Eichengreen "os credores calcularam de início o excedente primário necessário ao reembolso da dívida" e "a seguir forçaram o país a esmagar despesas e a cobrar impostos de modo a obter esses excedentes". Ou seja, os credores "ignoraram o facto de que, ao fazê-lo, condenaram o país a uma depressão ainda mais profunda", na qual, acrescento eu, a dívida e o empobrecimento florescem de braço dado. Podem os cidadãos sufragar uma agenda que cada dia os arruína e endivida mais?

A terceira verdade, é que, nesta semana, se tornou evidente que a TINA (there is no alternative) em matéria económica está rapidamente a degenerar numa TINA partidária. Esta agenda indisfarçável começa na pressão da CDU sobre Merkel, é propagandeada pelo Eurogrupo e pelo seu presidente, Jeron Dijsselbloem, e termina numa "campanha europeia" que inclui ameaças explícitas ou implícitas de que um "não" no referendo obrigará a Grécia a sair do euro. Na prática, afirmações destas implicam que, se os gregos disserem "sim" à estranha pergunta do referendo, estarão a votar uma moção de rejeição do governo Syriza e a repor um governo alternativo. Governo este que praticamente só poderá ser constituído em torno do maior partido que resta - ND - irmão da CDU alemã, embora eventualmente com uma coligação que não será mais do que simbólica com o que hoje resta dos socialistas gregos (Pasok e To Potami). Pelo caminho, tal como o Financial Times reconhece, vai um presentinho para Mariano Rajoy, ameaçado pela popularidade do Podemos.

3. Qual o papel dos socialistas europeus no meio deste cenário? A esquerda moderada europeia está hoje a sofrer as consequências da sua opção (ou incapacidade) de se distanciar política e ideologicamente, a nível europeu, da agenda austeritária dominante imposta desde 2010 pelos conservadores. O debate intenso dentro do grupo político europeu - S&D - nunca conseguiu gerar uma posição comum clara e percetível pelos cidadãos enquanto discurso claramente alternativo. A clivagem Norte-Sul sente-se também aí.

Não, os socialistas não estão todos ao lado de Merkel. Ao contrário do que alguma imprensa portuguesa parece fazer crer - "François Hollande alinha-se com Merkel sobre a Grécia", Expresso de 2/7/2015 - a imprensa europeia confirma de forma clara a existência de fortes tensões entre Hollande e Merkel a propósito da crise grega. Durante todo este lamentável processo negocial, os socialistas franceses, italianos, portugueses e alguns alemães estiveram ativamente por trás das peças construtivas das negociações. A verdade, todavia, é que todo este trabalho de conciliação e moderação da agenda, incluindo o do presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, fica comprometido com declarações públicas, algumas duríssimas, de responsáveis socialistas, nomeadamente de Sigmar Gabriel, líder do SPD alemão, Dijsselbloem - e, infelizmente também, após a rotura das negociações, de Schulz - que não permitem distinguir a agenda socialista da conservadora.

Deste apagamento público dos socialistas europeus enquanto alternativa consistente à TINA no quadro da União Europeia, resultam duas conclusões: por um lado, há um risco muitíssimo sério de que cada vez mais cidadãos europeus procurem respostas em opções partidárias e ideológicas radicais de esquerda e de direita, fora do quadro pró europeu, para a frustração, desespero e ausência de futuro resultantes da austeridade.

 Mais preocupante do que o Syriza e o alegado radicalismo de esquerda na Grécia é o grupo de Marine Le Pen (líder da extrema-direita francesa) que acaba de ser formalmente constituído no Parlamento Europeu, e cuja ideologia é largamente alimentada pela "vacina" imposta a Atenas.

Uma segunda conclusão é que cada vez mais é evidente que, hoje mais do que nunca, a estratégia política que António Costa tem vindo a seguir é mais do que correta e fundamental e tem de ser apoiada. Cabe aos socialistas demonstrar que há alternativa à TINA e à terrível agenda recessiva, dentro da União e não fora dela, antes que seja demasiado tarde.
 
Foi por isso que, no congresso dos socialistas europeus que teve lugar na Hungria a 12 e 13 de Junho, foi António Costa, em parceria com Pedro Sanchez (líder do PSOE espanhol), quem protagonizou os momentos fortes do evento, traçando os eixos fundamentais de uma agenda comum alternativa que não mais pode tardar a consolidar-se e tornar-se visível aos cidadãos, não apenas em Portugal mas igualmente a nível europeu.

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