Friday 19 December 2014

Novo regime europeu de resolução bancária a partir de 1 de Janeiro

O Parlamento Europeu (PE) tomou esta semana duas decisões cruciais para a constituição de um regime europeu de resolução - reestruturação ou liquidação - dos bancos falidos ou em risco de falência.

Uma dessas decisões refere-se à legislação que determina o cálculo das contribuições dos bancos para os fundos de resolução. Estes fundos - essenciais para proteger os contribuintes do seu envolvimento financeiro em processos de resolução bancária - serão criados a partir de 1 de Janeiro próximo segundo regras comuns aos 28 Estados Membros da União Europeia (UE) e têm o objectivo de apoiar financeiramente o processo de liquidação ou reestruturação das instituições falidas ou em risco de falir. Passará a ser a banca a arcar com os custos causados pelas suas perdas, evitando-se ao máximo o envolvimento dos contribuintes, como tem acontecido com frequência nos últimos anos.
Para a constituição destes fundos, um novo Regulamento vem especificar os termos do cálculo das contribuições dos bancos em proporção do risco que representam para o sistema financeiro. Os bancos de maior risco terão de pagar mais do que os mais seguros.

Os bancos pequenos - com activos que não excedam 1000 milhões de euros e passivos (excluídos dos capitais próprios e depósitos garantidos) até 300 milhões de euros - beneficiam de um regime particularmente favorável: a quantia que terão de pagar é fixa e inferior à que lhes caberia se os cálculos fossem feitos nos termos gerais, admitindo-se que, em regra, introduzem no sistema um risco reduzido. Também bancos médios (com activos que não excedam 3000 milhões de euros) beneficiam de um regime especial, o que significa que a "grande fatia" ficará a cargo dos grandes bancos.

Estas novas regras serão aplicáveis à totalidade dos 28 Estados Membros da UE. Os bancos sediados nos países da União Bancária (os 18 membros da zona euro a que se juntará em Janeiro a Lituânia e os países da UE que decidam aderir) terão no entanto uma especificidade: a partir de 1 de Janeiro de 2016, o Fundo de Resolução será Comum e Europeu, e será preenchido durante 8 anos até atingir um volume global a rondar os 55.000 milhões de euros.

A outra decisão, também no contexto da União Bancária, foi a nomeação do Conselho de Resolução (Single Resolution Board), a nova Agência Europeia de Resolução Bancária que terá a cargo a tomada das decisões em matéria de resolução da União Bancária. O Conselho de Resolução terá como Presidente Elke König, e como Vice-Presidente Timo Löyttyniemi. Serão ainda membros do Conselho de Resolução Mauro Grande, Antonio Carrascosa, Joanne Kellermann e Dominique Laboureix.

Os membros do Board foram nomeados depois de um processo em que o PE começou por ouvir todos os candidatos que chegaram à última fase de selecção e aprovou a proposta final da Comissão Europeia, também aprovada pelo Conselho da União Europeia. Este Single Resolution Board é “a cabeça” do Mecanismo Único de Resolução que estará a funcionar em pleno a partir de 1 de Janeiro de 2016 - e de que a eurodeputada socialista portuguesa Elisa Ferreira foi a relatora do PE- : a partir desta data, a resolução dos bancos mais significativos de cada país da União Bancária já não será tratada por autoridades nacionais, mas sim por esta agência. Depois de, em 4 de Novembro passado, estes bancos terem começado a ser supervisionados pelo Banco Central Europeu em substituição das autoridades nacionais de supervisão prudencial, também a sua reestruturação/liquidação terá de passar a ser competência de nível europeu, e já não nacional.

Com esta decisão do PE, o Board poderá começar a funcionar no próximo dia 1 de Janeiro.
Ao longo de 2015, o Board dedicar-se-á aos trabalhos preparatórios dos planos de resolução dos bancos sob a sua responsabilidade. Isto porque, face às características de cada banco, a autoridade de resolução tem de planear – tanto quanto é possível planear eventos desta natureza… – os termos em que o banco, se chegar a uma situação de falência, deverá ser resolvido.

A partir de 1 de Janeiro de 2016, o Board terá plenos poderes não só ao nível do planeamento mas também dos actos da resolução propriamente dita.

Tuesday 16 December 2014

Intervenção no debate sobre "Governação económica Revisão dos regulamentos Six Pack e Two Pack"

Intervenção no debate sobre "Governação económica Revisão dos regulamentos Six Pack e Two Pack" (video)

Por favor, mudem a agenda da austeridade!

Não, o ajustamento europeu não funcionou. Passaram seis anos desde o início da crise e a União Europeia neste momento contrasta com os outros blocos internacionais. A economia europeia está estagnada, nalgumas zonas está em deflação, há 25 milhões de desempregados, há uma dívida pública insuportável e os desequilíbrios internos são enormes. Politicamente estamos à beira da ruptura.

O motor anti-crise previsto na moeda única era a política monetária, mas está esgotado: as taxas de juro estão próximas de zero e mesmo assim a economia não reage.

Neste quadro assustador, a Comissão Europeia, ao pensar a economia para 2015, propõe uma política orçamental neutra, não expansionista, apenas abranda a austeridade. Perante isto, pergunto: numa zona que já não tem política cambial, tem a política monetária neutralizada pela crise, o que mais terá de acontecer para que a Comissão proponha uma política orçamental anti-cíclica?

O plano de investimento de Jean-Claude Juncker é claramente bem vindo, mas infelizmente não há estímulo artificial que compense a falta de actividade económica.

Neste momento, olhando para o Six Pack, vemos que o que está previsto na lei é que o processo de ajustamento se possa desviar da trajectória em três circunstâncias: se houver um abrandamento severo da economia, se houver um choque externo que não dependa da vontade dos Estados membros e se forem aplicadas reformas estruturais para o reforço da competitividade. Mas verdadeiras reformas estruturais, não cortes de curto prazo.

E eu pergunto: tem sido isto que a Comissão Europeia tem aplicado? Não. Todos os ajustamentos no calendário de acerto das contas públicas têm sido apresentados como uma concessão política. Mas não se trata de nenhuma concessão política, está no texto da lei e é sobre isto que temos de nos concentrar, é sobre isto que temos de alterar a agenda. Porque sem economia e sem emprego não há contas públicas equilibradas.
 
E esta é uma verdade que é clara desde o primeiro momento, que foi seguida noutros blocos económicos e que a Europa se recusa a aceitar em prol de uma ideologia que já neste momento provou que não funciona.
 
Por favor, mudem a agenda.

(Intevenção no debate do Parlamento Europeu sobre "Governação económica Revisão dos regulamentos Six Pack e Two Pack")

 

 

Friday 12 December 2014

Apoio dos Socialistas a Juncker dependente dos Lux Leaks?

As novas revelações, esta semana, sobre os acordos fiscais concluídos entre o Luxemburgo e centenas de multinacionais para lhes permitir evadir o fisco nos países onde operam, só vêm reforçar a necessidade de as instituições europeias responderem a este escândalo com enorme determinação política.

Há quem defenda que o Parlamento Europeu (PE) deveria criar uma comissão de inquérito para investigar estes acordos. Essa eventualidade, que não descarto, não parece todavia resolver o problema de fundo: o PE até poderá ganhar visibilidade mediática, mas agrava-se o risco de que daqui a dois anos as empresas continuem a contornar o fisco enquanto os eurodeputados investigam.
 
Este é o momento de agir, mais do que de apuramento dos factos, tanto mais que o fenómeno da fraude e evasão fiscal é sobejamente conhecido. Um estudo independente encomendado pelo Grupo dos Socialistas e Democratas no PE (S&D) analisou detalhadamente o assunto estimando que a evasão fiscal representava, na União Europeia, em 2012, 1 bilião (milhão de milhões) de euros anuais.
 
Não é tolerável que países que actuam no mesmo mercado e partilham a mesma moeda continuem a praticar uma concorrência fiscal activa, impondo enormes perdas de receitas fiscais aos parceiros.

Infelizmente, a criatividade na criação de esquemas cada vez mais sofisticados para atrair investimentos não é um exclusivo do Luxemburgo, e tem mesmo sido a regra do jogo na UE: as questões fiscais são uma competência nacional e só podem ser objecto de alguma coordenação ao nível europeu se todos os 28 Estados membros estiverem de acordo.

Esta regra da unanimidade tem travado todas as tentativas significativas de avanço nesta área, mas acrescente-se, em abono da verdade, que a Comissão Europeia tem preferido não afrontar os interesses dominantes recuando nas propostas que poderia e deveria ter feito. É isso que tem de mudar. É por isso, também, que o apuramento de factos, que estão bem identificados, não se pode substituir à acção.

Depois de um debate árduo no grupo S&D, o seu presidente, Gianni Pittella, explicitou esta semana que a continuação do apoio dos socialistas à Comissão Europeia de Jean-Claude Juncker está dependente da apresentação de propostas legislativas concretas para resolver o essencial deste problema.

Estas iniciativas terão de assegurar, nomeadamente, a obrigação para as multinacionais de declararem os resultados da sua actividade país a país em todos os países onde operam, incluindo em paraísos fiscais; a criação de uma lista negra europeia de paraísos fiscais; a obrigação para os países da UE de informarem os parceiros de todos os acordos fiscais especiais concluídos com multinacionais; a definição de uma base comum a todos os países da UE para a tributação dos lucros das empresas.

Estas são apenas algumas das áreas em que a Comissão terá de apresentar muito rapidamente propostas legislativas, sem o que, tal como afirmou esta semana o presidente do S&D, os socialistas lhe retirarão o seu apoio. Se assim for, as coisas começarão a endireitar...

 

 

 

Tuesday 9 December 2014

Flexibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) tem de ser aplicada

Entrevista para EuroparlTV sobre a necessidade de a Comissão Europeia aplicar plenamente as regras de governação do euro inscritas no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Estas regras prevêem que os países que enfrentam situações económicas adversas podem ter mais tempo para atingir as metas fixadas em termos de ajustamento orçamental.
 
Ao condicionar a concessão de tempo adicional à realização de reformas das economias, a Comissão Europeia não está a aplicar as regras. Será que a Comissão se esqueceu de que uma das principais missões que lhe são impostas pelos Tratados europeus é, precisamente, garantir a correcta aplicação da legislação comunitária em toda a União Europeia?
 

 
 

Friday 5 December 2014

Análise da Comissão Europeia sobre situação económica e orçamental de Portugal

Com a saída, em Maio, do programa de ajustamento económico e financeiro da troika, Portugal passou a estar automaticamente submetido aos mecanismos de vigilância e alerta da zona euro, que foram integrados no chamado Semestre Europeu e reforçados nos últimos anos para  permitir a detecção, a montante, de riscos de derrapagem orçamental e/ou acumulação de desequilíbrios macroeconómicos insustentáveis e susceptíveis de pôr em risco a estabilidade do conjunto da zona euro (o chamado Mecanismo de Alerta).

De forma automática, também, o país passou a estar sob um "procedimento por défice excessivo" onde permanecerá até que o défice orçamental baixe para menos de 3% do PIB, devendo para isso cumprir uma série de requisitos em termos de trajectória de consolidão orçamental.

A 28 de Novembro, a Comissão Europeia publicou a sua análise sobre a conformidade dos projectos de orçamento para 2015 dos países do euro com estas regras de disciplina orçamental. assentes no pacto de estabilidade e crescimento (PEC) tal como reforçado por dois pacotes legislativos aprovados já durante a crise do euro (os chamados 6 pack e 2 pack no jargão comunitário).
Na análise a Comissão afirma que, com o Orçamento de Estado (OE) para 2015, Portugal está em "risco de não cumprimento" ("risk of non compliance") com o PEC tanto em 2014 como em 2015:

-  Em 2014, o risco que o país enfrenta é de não ter aplicado a "acção efectiva" que lhe foi recomendada no ano passado pelo Conselho de Ministros da UE para corrigir o défice excessivo em 2015 ("risk of no effective action").
 
- Em 2015, "sem medidas adicionais, o cumprimento (da recomendação de redução do défice para 2,5% como acordado entre o Governo e a troika) não está assegurado ("in the absence of additional measures, compliance not assured".

Em concreto, a CE afirma que:

 "The fiscal effort falls clearly short of the recommendation and thus indicates the need for sizeable additional structural consolidation measures for 2015 to underpin a credible and sustainable correction of the excessive deficit".

 "The Commission therefore invites the authorities to take the necessary measures within the budgetary process to ensure that the 2015 budget will be compliant with the SGP"

"Limited progress also with regard to the structural part of the recommendations issued by the council in the context of the 2014 European semester". Need to accelerate their implementation


Previsões da CE para 2015 em Portugal (4 de Novembro), são piores do que as do OE 2015 - Previsõs do FMI (publicadas na mesma altura) são ainda mais pessimistas para o PIB:
 
                                                       CE                             FMI                        OE 2015
                                                                 (Nov 2014)                                      (Nov 2014)
                                                   
PIB                                                    1,3%                      1,2%                      1,5%
Défice orçamental (% PIB)       3,3                                                           2,7 *
Dívida pública (% PIB)          125,1                                                      123,7
Taxa Desemprego                      13,6                                                         13,4
(% população activa)
Inflação                                            0,6%                                                   0,7%
 
* valor acordado com a troika para 2015 no quadro do programa de ajustamento era 2,5% do PIB
Porquê estas diferenças de previsões?
 
Para a Comissão Europeia, o crescimento do PIB poderá ser ainda pior do que o esperado por causa da pressão para a redução da dívida privada, que permanece muito elevada.


Pierre Moscovici, comissário europeu responsável pelos assuntos económicos, explicou na altura que "a maior diferença" das suas previsões para o défice orçamental face ao OE/2015 "se deve a uma abordagem menos optimista e, quanto a nós, mais realista, do impacto sobre o défice da retoma económica e, talvez, também a uma visão menos optimista sobre as medidas tomadas contra a fraude fiscal".
Em termos de redução do défice estrutural, que para os países em procedimento por défice excessivo terá de atingir pelo menos 0,5 pontos percentuais por ano, o OE/2015 prevê esta redução desta ordem não num ano mas em termos acumulados em três anos 2013-2015. Em 2015 o ajustamento estrutural será de apenas 0,1 ponto percentual.
 
Já no que se refere ao Mecanismo de Alerta de desequilíbrios macroeconómicos insustentáveis, cujo relatório foi igualmente publicado no dia 28, a Comissão Europeia detectou 4 indicadores que ultrapassam os limiares definidos:
 
- Net International Investment Position (NIIP) - em % do PIB: -116,2% (limiar: -35%)
- Dívida privada: 202,8% do PIB (limiar: 133%)
- Dívida pública: 128% do PIB (limiar: 60% do PIB) - o segundo valor mais alto da zona euro, a seguir à Grécia (174%)
- Desemprego: 15% em média nos últimos 3 anos (limiar 10%) - Taxa em 2013 ascendeu a 16,4% da população activa, o terceiro pior valor da zona euro



 


Tuesday 2 December 2014

Já chega de tanta colagem do Governo à troika!

Esta terça-Feira, 2 de Dezembro, a ministra das finanças, Maria Luís Albuquerque participou num debate com os deputados europeus ao abrigo do "diálogo económico" que é realizado regularmente pela comissão dos assuntos económicos e monetários do Parlamento Europeu (ECON) com responsáveis nacionais e europeus.
Ao fim de uma hora e meia de perguntas e respostas, não tive alternativa senão concluir que o Governo continua colado às políticas que foram impostas pela troika no programa de ajustamento
económico e financeiro imposto a Portugal desde 2011.
Esta atitude é chocante num país em que a dívida pública - 128% do PIB - é hoje a segunda mais elevada da zona euro, o investimento caiu a pique, o desemprego afecta mais de 700 mil pessoas, 200 mil jovens tiveram de emigrar e 25% da população está em risco de pobreza.
Maria Luís Albuquerque confirmou a sua total concordância com a receita da troika e, embora tenha afirmado que "seria sempre possível fazer melhor" não enumerou qualquer aspecto em que o Governo pudesse ou quisesse ter actuado de forma diferente. Ou seja, do seu ponto de vista, nada de concreto poderia ou deveria ter sido feito de forma diferente no processo de ajustamento. O que é lamentável, quando até o próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, reconhece que houve abusos e exageros.
A questão não é se o ajustamento era necessário, nem se podia ter sido feito sem custos. A questão é se os objectivos foram atingidos e se o método não gerou sacrifícios excessivos, e é aqui que a colagem à troika é chocante.
Também não se percebe porque é que o Governo se mantém evasivo sobre os projectos que pretende candidatar ao novo fundo europeu de investimento de 315 mil milhões de euros anunciado há uma semana por Juncker. Enquanto a França e Espanha estão a debater opções e já apresentaram a Bruxelas listas de projectos candidatos no valor de várias dezenas de milhares de milhões de euros, Portugal limita-se a afirmar-se genericamente interessado. Esta apatia não faz qualquer sentido num dos países que mais precisa de apoio para estimular a sua economia...