Thursday 23 October 2014

Mudança: uma questão de semanas, não de meses

A nova Comissão Europeia está em condições de começar o mandato a 1 de Novembro, na sequência da sua confirmação (por 60% dos votos) no Parlamento Europeu a 22 de Outubro.

Juncker conseguiu que o grupo S&D lhe desse o benefício da dúvida graças aos compromissos políticos de mudança da agenda europeia assumidos por si e pela sua equipa.

Não tendo a esquerda moderada e pró-europeísta saído vencedora das eleições europeias, a verdade é que dificilmente se poderia encontrar um perfil, nas hostes da direita, mais adequado para liderar a Comissão nesta época dificílima do que o de Juncker, pelas suas convicções humanistas, características pessoais e experiência.

Os perfis de alguns comissários e a inadequada distribuição de alguns pelouros entre eles continuam, no entanto, a levantar-nos sérias dúvidas. Durante o debate entre o presidente eleito e o PE esperámos introduzir mais alterações na repartição de responsabilidades entre os membros da nova Comissão do que aquela que acabou por resultar na versão final.

Mesmo assim, houve que ponderar as consequências de um voto crítico, fosse ele negativo ou indefinido, como seria o caso de uma abstenção. Essa eventualidade provocaria, na prática, uma fragilização desta Comissão e do seu presidente face ao todo poderoso Conselho de Ministros da UE e em particular face àqueles Governos europeus – leia-se sobretudo o alemão – que o têm dominado nos últimos tempos.

Este voto positivo não pode, no entanto, significar um cheque em branco. Muito pelo contrário: o benefício da dúvida que foi dado à Comissão tem de ser acompanhado de uma exigência e vigilância constantes e reforçadas sobre o rigor com que Juncker honrará os compromissos assumidos.
A agenda europeia tem de mudar e mudar já, e foi com essa mudança que Juncker se comprometeu perante o PE.

Para mudar, é preciso alterar imediatamente a agenda da austeridade - em grande medida ideológica - dos últimos seis anos que já foi longe demais e cujos resultados desastrosos são hoje evidentes: uma política de austeridade assumida de forma sincronizada por economias tão interligadas como as europeias gerou a espiral de recessão económica que hoje é evidente no desemprego galopante – quase 25 milhões de europeus estão sem trabalho –, nos fenómenos novos da deflação e estagnação económica (apesar de as taxas de juro do BCE estarem próximas de zero) e nas divergências económicas e sociais brutais tanto entre o centro e a periferia como no interior dos países mais fragilizados. Com a agravante de que o excesso de dívida entretanto acumulada pelas economias mais frágeis durante o processo de ajustamento começa a despertar os ataques especulativos de operadores financeiros internacionais que as decisões de Draghi no Verão de 2012 pareciam ter neutralizado.
Neste momento, se a agenda não mudar com urgência, é a sobrevivência do euro e mesmo do projecto europeu que está em risco.

A promessa mais óbvia e imediata de Juncker para  estimular a economia – um programa de investimento de 300 mil milhões de euros em três anos – vai ser o primeiro grande teste à credibilidade da nova Comissão.

Hoje, depois de todos os debates e audições aos novos comissários, continua a não ser claro como é que este pacote se vai concretizar, nem de onde virá o dinheiro.

Acredito que Juncker tem plena consciência da urgência da mudança, mas a verdade é que a Comissão Europeia não tem sozinha os meios para a concretizar. O que significa que ou entramos numa nova fase e a Comissão, o PE e, acima de tudo, o Conselho – a começar pela Alemanha – se sentam à mesma mesa e chegam a acordo sobre o diagnóstico e a forma de resolver o problema, ou a Europa ficará rapidamente em muito maus lençóis.

Temos as soluções e os meios para resolver o problema, o que falta é sobretudo a vontade política de trabalhar para o bem-estar de TODOS os cidadãos e, em última análise, salvar o projecto europeu.
Veremos se o novo presidente da Comissão saberá estar à altura da gravidade do momento.

Monday 13 October 2014

Comissão Europeia de Jean-Claude Juncker: mais um acto de fé?

O Parlamento Europeu terminou uma das semanas mais importantes da nova legislatura com a conclusão do processo de audição dos 27 candidatos à nova Comissão Europeia que será presidida a partir de 1 de Novembro por Jean-Claude Juncker.

Este processo deixa-me um sentimento misto de dúvida e de esperança.

O benefício da dúvida que o grupo socialista deu a Juncker, eleito pelo PE em Julho, foi baseado numa promessa de inversão da agenda da austeridade. A credibilidade dessa promessa do novo presidente está agora dependente dos comissários a quem atribuiu responsabilidades nas áreas económicas e sociais e que terão de executar os compromissos assumidos.

Percebe-se agora que, quando confrontou o PE com uma distribuição de pelouros entre os seus 27 comissários, Juncker já a tinha pré-negociado com os líderes das principais famílias políticas europeias. A nova estrutura inclui um primeiro vice-presidente socialista - Frans Timmermans - com competências gerais e horizontais sobre toda a Comissão, dois vice-presidentes coordenadores das áreas económicas conhecidos pelas suas convicções pró-austeridade - Jyrki Katainen e Valdis Dombrovskis - e um comissário socialista encarregado da governação económica - Pierre Moscovici. Com esta composição ancorada num acordo político, Juncker jogou forte colocando o PE numa situação de "pegar ou largar", ou seja, aceitar ou rejeitar tudo em bloco.

Este pacote, no qual muitos socialistas não se revêem, decorre todavia, em última instância, do facto de ter sido a direita a vencedora das eleições europeias de maio.

Mesmo assim, batemo-nos pela introdução de alterações. O resultado mais visível serão talvez os compromissos assumidos por Dombrovskis - que vai coordenar a acção de Moscovici - durante a audição no PE, que só não arrepiaram os cabelos da direita por ser um dos seus membros. Cito, a título de exemplo, a convicção que manifestou de que "globalmente, a UE já concluiu o ajustamento orçamental" e que a agenda económica precisa agora de se "concentrar no lado da procura, incluindo com o aumento de salários (...), alteração da fiscalidade, transferência da fiscalidade do trabalho - sobretudo do trabalho pouco remunerado- para o capital, para a propriedade, para taxas ambientais e para outras áreas menos prejudiciais para o emprego".

O maior problema desta equipa é Katainen, o finlandês bem conhecido pelas más razões nos Estados membros do sul, agora responsável por coordenar a promessa central de Juncker de mobilização de um pacote de investimentos, incluindo públicos, de 300 mil milhões de euros. Katainen não avançou qualquer resposta satisfatória sobre as inúmeras questões que lhe foram colocadas na matéria nem deu sinais de recuo na sua saga pela austeridade, o que deixa a credibilidade do próprio Juncker nas suas mãos.

Até à votação final do colégio de comissários pelo PE, a 22 de Outubro, haverá que ponderar até que ponto o voto de confiança dado a Juncker em Julho merece ser confirmado. Só então se tornará claro se será possível confiar na nova Comissão Europeia e na sua abertura para operar a viragem da agenda económica com que se comprometeu.

 

 

 

Não podíamos votar em Jyrki Katainen para a Comissão Europeia

Os deputados socialistas portugueses no Parlamento Europeu decidiram que não poderiam votar em Jyrki Katainen para integrar a nova Comissão Europeia com a responsabilidade pela coordenação da área do "Emprego, Crescimento e Investimento". E não votámos.

Esta decisão resultou do facto de Katainen ter sido, enquanto ministro das finanças e primeiro ministro da Finlândia, um dos maiores apologistas da austeridade, assumindo aliás uma postura moralista de que os pecadores têm de expiar os seus pecados.

Katainen foi o primeiro a pedir colateral (garantias) aos Estados em dificuldades em troca da assistência financeira da zona euro, obrigando a Grécia a endividar-se para o efeito.

Katainen também impôs um endurecimento da já de si dura austeridade prevista em Portugal em troca do seu apoio ao programa de ajuda externa. E resistiu enquanto pôde tanto à criação como ao alargamento do âmbito de acção do ESM (Mecanismo Europeu de Estabilidade), que foi criado precisamente para assegurar a assistência financeira da zona euro aos países com problemas de liquidez. Estas não são atitudes coerentes com os valores da solidariedade europeia.

Apesar das tentativas de moderar o discurso, o novo comissário continua a defender que o crescimento económico e o emprego acabarão por se materializar de forma quase automática e por obra e graça das "reformas estruturais" - o que na prática significa esmagamento de salários - e que é tudo uma questão de tempo e paciência. Para nós, socialistas, esta postura torna-o muito pouco apto para coordenar o pacote de investimentos de 300 mil milhões de euros, incluindo públicos, que Jean-Claude Juncker, o novo presidente da Comissão Europeia, prometeu ao PE.

Não foi por acaso, aliás, que Katainen não conseguiu avançar qualquer resposta satisfatória, durante a sua audição no PE, sobre de onde vem este dinheiro e como pensa aplicá-lo. Isto significa que vai ter de ser o próprio Juncker a responder pela acção do seu vice-presidente no cumprimento da promessa de mudança que nos fez.

Juncker confrontou, de resto, o PE com uma distribuição dos pelouros entre os seus comissários que já tinha pré-negociado com os líderes das principais famílias políticas europeias e que decorre directamente do facto de nós, socialistas, não termos sido os vencedores das eleições europeias de Maio.

Mesmo assim batemo-nos, e temos vindo a conseguir, introduzir alterações na agenda. Até à votação final pelo PE do colégio de comissários, a 22 de Outubro, teremos de obter de Juncker garantias de que, apesar da forma como optou por organizar a equipa, os seus compromissos serão cumpridos. Só então decidiremos se confirmaremos ou não o voto de confiança que, com base na sua promessa de mudança, demos a Juncker em Julho.


(Texto publicado no InfoEuropa de 9 de Outubro de 2014)