Wednesday 29 April 2015

Entrevistas sobre a troika em Portugal e nos outros países sob assistência financeira

Eis a totalidade da minha entrevista ao jornalista alemão Harald Schumann, sobre o programa da troika em Portugal, que integrou uma reportagem do canal de televisão franco-alemão ARTE sobre a troika em geral.

A totalidade da minha entrevista sobre a situação de Portugal está aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=Bw28ZbuHS1g

A reportagem do ARTE sobre a troika em geral, que demorou um ano a ser filmada e foi emitida a 24 de Fevereiro de 2015, está aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=nYGOWUrHcI0

Monday 20 April 2015

Vítor Constâncio confirmou que garantia comum de depósitos bancários continua na agenda do BCE

Vítor Constâncio, vice-presidente do Banco Central Europeu confirmou hoje que a garantia comum de depósitos bancários na Europa não saiu da agenda sua instituição.

Tenho sido muitas vezes muito elogiosa em relação à intervenção do Banco Central Europeu (BCE), que penso que foi a instituição que esteve mais capaz de abordar aquilo que era preciso fazer durante a crise. Hoje, no debate da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu (ECON) tive a ocasião de debater algumas questões com Vitor Constâncio, vice-presidente do BCE:

1. No que se refere à união bancária europeia:

- Sistema único de Supervisão Bancária (SSM) - alertei para o risco de que o impacto nos países periféricos de várias das exigências, incluindo de capital mas não só, "esteja a provocar um movimento excessivo de concentração bancária que não era propriamente um dos objectivos deste processo e que aumentam a fragilização do sistema".

- Mecanismo  único de Resolução Bancária (SRM) - insisti na necessidade de criação de uma rede de segurança financeira (o chamado "backstop") para o mecanismo único de resolução bancária e de uma negociação, no Conselho de ministros da UE, de "uma linha de crédito para garantir, a partir de Janeiro do próximo ano, que de facto há estabilidade no sistema bancário" 

- Garantia comum de depósitos bancários, o terceiro elemento da união bancária, que parece ter desaparecido da agenda -sublinhei que se trata de "um elemento absolutamente essencial de estabilização do mercado e que fez parte do acordo inicial" e, que por isso, e "por uma questão de credibilidade" não pode desaparecer da agenda política europeia". A minha preocupação resulta de o BCE ter estado "muito silencioso" sobre esta questão.

2. Relativamente aos desequilíbrio macroeconómicos existentes na Europa - sublinhei que neste momento não faz qualquer sentido falar em valores médios europeus, porque metade da Europa está a sofrer "uma estagnação e um desemprego brutais", enquanto a outra metade não.

Na sua resposta em inglês, Vítor Constâncio disse:

1. "Tem razão sobre a importância da união bancária e, de facto, no que disse sobre riscos de concentração do sector bancário. Ainda não aconteceram, não temos exemplos de fusões e aquisições transfronteiriças. Mas sim, diria, sendo muito cândido, que algum grau de concentração tenderá a acontecer na Europa em geral. Porque há partes da Europa em que a situação o justificaria, especialmente num momento em que assistimos a uma mudança do sistema financeiro para um financiamento no mercado. Está a acontecer e é uma causa de preocupação e criação de novo risco, mas é também benéfico na diversificação das fontes de crédito. Esta mudança está a acontecer e levará, possivelmente, a alguma consolidação".

Sobre a resolução e o backstop - "se a situação evoluir de forma a tornar esse requisito necessário, insistiremos no que foi o acordo e que a autoridade do mecanismo de resolução tente ter essa linha de crédito".

"Relativamente aos esquemas de garantia de depósitos, sim, sempre o mencionámos  enquanto terceira 'perna' da união bancária". "Insistimos nisso, mas a opção dos Estados membros foi adiar a implementação dessa terceira 'perna' da união bancária. Mas não está esquecido, não está de todo esquecido".

2. "Sobre as médias e os desequilíbrios, tem razão, tem especialmente razão sobre o desemprego, em que as divergências são enormes, mas a fragmentação em todos os outros aspectos tem sido reduzida, desde, diria, as nossas OMT" (o programa de compra de títulos de dívida dos países do euro no mercado secundário, que foi anunciado pelo BCE em Setembro de 2012)."Tem sido reduzida em termos financeiros, que tem um impacto, mas também em termos de crescimento, porque agora temos alguns países na periferia que estão a crescer ligeiramente mais do que a média. O que significa que a fragmentação mesmo nesse aspecto começa a ser corrigida. Ou seja, a situação tem melhorado e eu considero que as nossas políticas contribuíram para a redução da fragmentação na Europa".

 

 

 

 

 

 

 

 

A Urgência de Equidade Fiscal na Europa *

Como é possível aceitar que, entre países membros da União Europeia (UE) – o que significa países unidos por um dever de cooperação leal –, seja não só aceitável como legal uma concorrência fiscal desenfreada? Esta situação tem dois tipos de consequências importantes: em primeiro lugar, desvia receitas fiscais dos países onde deviam ser cobradas para os países que oferecem vantagens fiscais; em segundo lugar, e em consequência, a carga fiscal, que deveria ser repartida, acaba por incidir sobre as pequenas empresas e os cidadãos que não conseguem utilizar estes expedientes.

Se este fenómeno é hoje uma peça da globalização, ele é difícil de aceitar dentro de uma UE onde se pressupõe que as condições de concorrência entre empresas sejam garantidas e onde a chamada “governação económica” impõe regras cada vez mais exigentes à política orçamental dos Estados Membros (EM) (incluindo as “Troikas”). Apesar disso, diversos EM especializaram-se na concepção dos mais variados esquemas para atrair para o seu território os capitais gerados por empresas operando em países de dentro e fora da UE, com pouca ou nenhuma ligação com a economia real local, obtendo receitas fiscais fabulosas com taxas efetivas de imposto extremamente baixas.

Muito variados e criativos, mas sobretudo muito complexos e opacos, estes esquemas correspondem tipicamente a contratos individuais entre empresas (sobretudo grandes multinacionais) e as administrações fiscais desses Estados para onde deslocalizam a sua sede ou uma filial (frequentemente simbólica), o bastante para aí canalizarem lucros realizados noutras zonas.

Os mecanismos utilizados no âmbito destes acordos prévios (os chamados "tax rulings") para, no concreto, funcionarem como veículos de transferência de lucros, são múltiplos e altamente imaginativos, desde supostos pagamentos de juros de empréstimos (que nunca existiram), dividendos ou “royalties” alegadamente feitos entre empresas do mesmo grupo e que ou não são de todo tributados ou o são a taxas irrisórias.

Grandes empresas mundiais – incluindo algumas com uma imagem pública de grande responsabilidade corporativa, como Ikea, Apple, Starbucks, Amazon, Pepsi – especializaram-se nesta engenharia fiscal que lhes permite, na prática, decidir que impostos pagam em que países, minimizando até taxas próximas de zero o imposto que efetivamente pagam pelos lucros que realizam.

De entre os países especialistas nestas operações sobressai naturalmente o Luxemburgo, transformado, sobretudo com base neste tipo de práticas, na segunda praça financeira mundial, a seguir aos Estados Unidos (EUA): com uma população de pouco mais de 500 mil pessoas, o Luxemburgo conta hoje com 3.700 mil milhões de dólares de activos geridos pelos seus bancos e outras operadoras financeiras; segundo a organização não-governamental americana Citizens for Tax Justice, 170 das 500 maiores empresas dos EUA têm filiais no Luxemburgo e por este país transitaram, em 2012 e segundo o Bureau of Economic Analysis, lucros de 95 mil milhões de dólares. Os impostos pagos efetivamente sobre estes lucros equivalem a uma taxa de apenas 1,1%, apesar de a taxa oficial ser de 29%. Atente-se ainda num indicador ilustrativo do caráter ficcional das operações destas empresas: três endereços no Luxemburgo são a morada fiscal de mais de 4.300 empresas, sendo, na realidade,  simples caixas do correio por onde transitam os capitais.

Mas o Luxemburgo – hoje sob holofotes devido às recentes revelações do Consórcio Internacional de Jornalistas (mais conhecidas por "LuxLeaks") que puseram a nu a dimensão deste negócio – está longe de ser um caso isolado. Estratégias de tipo semelhante são desenvolvidas pela Holanda, por exemplo, fazendo até de Portugal, como é sabido, uma das vítimas do seu dumping fiscal: 17 das 20 maiores empresas nacionais deslocaram a sede para a Holanda e aí pagam grande parte dos seus impostos.

O que poderá surpreender é que, dentro da UE, esta concorrência desenfreada seja oficialmente legal; é que, ao contrário do que geralmente se pensa, a política fiscal na UE, apesar de todos os aprofundamentos do processo de integração até à moeda única, manteve-se largamente uma competência nacional (com excepção da base de tributação do IVA e de alguns impostos específicos sobre o consumo). Significa isto que, em matéria de impostos sobre as empresas – IRC –, não há harmonização nem modo de evitar este tipo de práticas agressivas, frequentemente destruidoras das finanças públicas dos EM mais frágeis.

Na prática, qualquer iniciativa de harmonização na área da fiscalidade exige, por conseguinte, a aprovação unânime no Conselho de Ministros da UE; claro que a Comissão Europeia (CE), tem o poder de apresentar propostas legislativas, mas o risco óbvio de as ver bloqueadas por qualquer dos EM que se sinta lesado tem-na remetido – pelo menos até há bem pouco – a uma posição de cautela que roça a tibieza.

O mesmo não se passa com o Parlamento Europeu (PE), e sobretudo com o seu Grupo Socialista, que tem vindo a tentar por todos os meios introduzir este tema, que considera escandaloso, na agenda política. Aproveitando o impulso gerado pelos "Luxleaks", o PE criou uma Comissão Especial para investigar e tornar públicos os detalhes destes acordos fiscais (na qual sou co-relatora), esperando que a pressão política da opinião pública faça mover os EM. De facto, e numa altura em que está a ser pedido aos cidadãos e às pequenas e médias empresas um esforço brutal em termos fiscais, pensar que a taxa paga pelas maiores empresas mundiais é de cerca de 1% torna-se intolerável. Inaceitável politicamente é ainda que sejam os ministros das finanças de alguns dos países cujas contas públicas se alimentam destes expedientes algumas das vozes mais duras nas exigências de austeridade aos outros.

Entretanto, muito por via da pressão pública, a CE já começou a agir, tendo apresentado uma primeira proposta legislativa em fevereiro (prevendo troca de informações automática e obrigatória entre EM sobre vantagens concedidas às empresas). Aguarda-se um segundo pacote para junho, que se espera venha a incluir algumas das exigências do PE, como o reporte dos lucros das empresas país a país. Há, assim, um enorme trabalho ainda por fazer, mas este é um momento único para estimular o aprofundamento da UE em termos que acabem com práticas que, a coberto dos interesses de alguns, garantem a legalidade de práticas moralmente injustas e politicamente insuportáveis.

* Artigo publicado no PÚBLICO de 19/04/2015

Thursday 16 April 2015

Comissão Especial TAXE contra as práticas fiscais agressivas: primeiras audições


Iniciaram-se hoje formalmente as audições públicas da Comissão Especial do Parlamento Europeu (mais conhecida por TAXE) encarregue de examinar as práticas fiscais agressivas dos países da União Europeia (UE) e propor pistas para as eliminar. 

O primeiro painel de hoje foi constituído pelos representantes dos sindicatos dos trabalhadores dos serviços fiscais e aduaneiros (foto à direita): Serge Colin, Presidente da Union of Finance Personnel in Europe, acompanhado dos presidentes dos respectivos sindicatos do Luxemburgo, Fernand Müller e de Portugal, Paulo Ralha; François Goris, Presidente da UNSP-NUOD em representação da European Confederation of Independent Trade Unions (CESI); e Nadja Salson da European Federation of Public Service Unions (EPSU).

No segundo painel (foto em baixo) ouvimos os representantes dos conselheiros fiscais das empresas - Henk Koller, Presidente da European Federation of Tax Advisers (CFE); Olivier Boutellis-Taft, Presidente da Federation of European Accountants (FEE) e Ravi Bhatiani, da Independent Retail Europe.

Os sindicatos deixaram claro que quase todos os Governos não só têm deixado os serviços fiscais ao abandono, como, em consequência das políticas de austeridade, têm procedido a cortes importantes dos seus recursos humanos e técnicos. Isto apesar de lhes exigirem simultaneamente um aumento da eficácia da cobrança de impostos, o que constitui uma contradição dificilmente explicável.

Esta situação de falta de recursos adequados aos objectivos anunciados é particularmente acentuada em países onde a troika exigiu um "enorme aumento de impostos" (Vitor Gaspar, 3/10/2012), como Portugal e Grécia.


Nadja Salson, do sindicato EPSU, afirmou que os cortes de empregos na administração fiscal nos últimos anos representaram 1/3 dos efectivos na Grécia e no Reino Unido.


Em Portugal perderam-se 3.500 postos de trabalho neste sector, segundo afirmou Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos.


Todos os sindicatos alertaram para a correlação existente entre estes cortes e a perda de receitas fiscais o que, afirmam, é muito superior ao custo dos serviços administrativos: n
o caso da Dinamarca, refere a EPSU, os cortes na administração fiscal traduziram-se numa perda de receitas  de 2.000 milhões de coroas dinamarquesas.
Do debate do segundo painel, com os representantes dos conselheiros fiscais, ficou a sensação clara de que estamos perante uma luta desigual entre uma máquina fiscal emperrada, obsoleta e sem meios, e um activismo despudorado dos gestores das estratégias fiscais das empresas na exploração das discrepâncias entre os regimes fiscais dos 28 membros da UE para garantir aos clientes uma factura de impostos o mais baixa possível.


Alguns depoimentos roçaram a provocação, como o de 
Henk Koller, da European Federation of Tax Advisers, que defendeu as vantagens para os negócios que decorrem da concorrência fiscal agressiva entre os países da UE. Ideias que estão actualmente em estudo para aumentar a transparência das vantagens fiscais especiais concedidas por alguns Governos a algumas grandes empresas multinacionais para lhes permitir pagar menos impostos do que os devidos nos países onde operam, é algo que, para Koller, não tem qualquer vantagem.
O consultor holandês também não se mostrou preocupado pelo facto de os impostos
 que não são pagos pelas mutinacionais terem de ser pagos pelos cidadãos e pequenas e médias empresas que não podem beneficiar dos serviços de arbitragem fiscal ao dispor das suas grandes concorrentes.
Há ainda um outro ponto de contacto entre os dois mundos que é o facto de ser cada vez mais difícil evitar que os elementos mais competentes da administração fiscal sejam capturados pelo outro lado, ou seja, pelas empresas especializadas na evasão fiscal para irem combater os seus anteriores serviços.


Este foi nomeadamente o percurso de Koller que trabalhou 5 anos na administração fiscal holandesa antes de passar para a Deloitte, uma das grandes empresas de consultoria especializadas neste modelo de negócio.


Site da Comissão Especial TAXE:http://www.europarl.europa.eu/committees/en/taxe/home.htmlO vídeo da audição será acrescentado aqui logo que estiver disponível









Friday 3 April 2015

A falta que Silva Lopes nos vai fazer...

Tristes dias, estes. Perdemos também Silva Lopes, economista de referência para muitas gerações que aliava competência, seriedade e independência.

Vai-nos fazer muita falta.

Manoel de Oliveira: Uma resistência granítica

Autenticidade, sabedoria e independência são características que raramente se reúnem na mesma pessoa.

Manoel de Oliveira tinha-as todas. Tive o privilégio de conhecer neste mundo uma pessoa autêntica e sábia como poucos, que dizia o que pensava e que, apesar da fragilidade, tinha uma força granítica.

Fizemos campanha um pelo outro; eu, sem qualquer importância, pela candidatura de um dos seus filmes ao prémio europeu de cinema LUX; ele na minha candidatura à Câmara Municipal do Porto: https://www.youtube.com/watchv=5NLxw86GLk8

Acabámos por perder os dois, mas eu ganhei muito mais do que ele, porque tive a possibilidade de cimentar laços de amizade com uma pessoa tão especial e inspiradora.

Quem diria que seria numa sexta-feira santa que ele iria a enterrar...