Saturday 6 June 2015

Discurso na Convenção do PS de apresentação do programa


PS - APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA
05/06/2015
Coliseu dos Recreios- Lisboa

1. Começo por uma referência ao passado, porque não há boas soluções sem que haja um bom diagnóstico. E nem todos retiramos as mesmas lições do mesmo passado.

a.   O contrato que o PS propõe aos portugueses surge num momento extremamente difícil da vida do País e da União Europeia.

b.   15 anos de moeda única demonstraram que o projeto - considerado utópico por muitos - era possível; mas também revelaram que não estava isento de riscos, porventura mortais.

c.    Bastou o primeiro grande abanão, com a crise de 2008, para se abrirem as brechas antes disfarçadas: a moeda única tinha criado um pequeno grupo de ganhadores – a Alemanha (e poucos mais), e um grande grupo de perdedores, sobretudo no sul da Europa. O crescimento (embora fraquíssimo) e o crédito (fácil e aparentemente barato) tinham maquilhado a realidade.

d.   Perante o descalabro na economia real, os USA reagiram em força usando o orçamento e a Reserva Federal. A Comissão Barroso começou por constatar a impotência do seu magro orçamento de 1% e recomendou aos países que expandissem a despesa nacional, para, logo a seguir, a partir de 2009, impor precisamente o oposto – uma austeridade universal –, numa resposta quase histérica ao negócio que os operadores financeiros montaram com as dívidas nacionais dos países do Euro. Em Deauville, no Outono de 2010, Merkel e Sarkozy licenciaram o casino; valeu- nos, em 2012, o discurso de Draghi que, sem gastar um cêntimo, fechou o negócio e nos poupou uns milhões.

e.   Daí para cá, tem sido a agenda de pesadelo que se conhece, sobretudo para os países economicamente mais frágeis do grupo dos perdedores (sendo que com a Espanha, Itália e França o debate é mais musculado). Hoje, a direita que ainda domina a política europeia tenta vender um balanço de sucesso, desvalorizando a desgraça grega, vendo sendas luminosas nas variações decimais de indicadores onde as perdas demorarão décadas a ser recuperadas (PIB, emprego ou investimento), e tenta legitimar os ganhos dos ganhadores e as perdas dos perdedores (quer em cada sociedade, quer entre países) na base da virtude dos primeiros e pecado dos últimos, perpetuando-as com a inevitabilidade da agenda.

f.    Felizmente que, fora da ortodoxia ideológica, já começa hoje a ser consensual, dentro e fora da Europa, que a mera continuidade desta agenda será o fim da moeda única e provavelmente da União Europeia. O risco de uma Grexit ou de uma Brexit e a ascensão dos partidos populistas são apenas sinais de uma onda perigosa de desespero e desesperança de um cada vez maior número de cidadãos. O debate sobre o futuro da união monetária está do novo aberto e vai, espera-se, ocupar a cimeira dos próximos dias 24 e 25, estando a ser objeto de uma reflexão conjunta dos 5 presidentes, da Comissão, do Conselho, do Parlamento Europeu, do Banco Central Europeu e do Eurogrupo.

  1. Passo agora à posição de Portugal na Europa, sobretudo para retirar lições do que foi o nosso passado recente à luz do diagnóstico precedente. A primeira, a principal, eu diria quase a única, é que temos de definir claramente os nossos interesses enquanto sociedade e país, num contexto muito complexo mas também cheio de oportunidades que é o dos níveis europeu e mundial em que nos inserimos.
a.   Declarar como orientação política portuguesa a obediência (implícita ou explícita) a uma agenda europeia, que não só está em permanente mutação como se revelou profundamente imperfeita e incompleta, em lugar de definir objetivos e de procurar aliados para a influenciar a nosso favor, não é apenas uma infantilidade mas sobretudo uma pura manifestação de incompetência.

b.   Dito isto, quero deixar explícito que acredito ser do mais puro interesse nacional mantermo-nos no Euro e dentro da União Europeia, tanto quanto é do nosso interesse procurarmos reencontrar quanto possível a Europa que conhecíamos antes da deriva neoliberal da última década.

c.    Há, pois, que discutir a nível interno e externo o que deverá ser a União a prazo, embora no imediato, e sem alterações dos Tratados, seja a meu ver do interesse nacional e a mero título de exemplo que:

  • a Grécia se mantenha no Euro (sob pena de não controlarmos a instabilidade de uma eventual saída) e que a estrutura “Troika” (um atentado aos princípios mais sagrados da democracia europeia) seja rapidamente substituída;
  • na União Bancária, seja concretizada a Garantia Comum dos Depósitos até 100.000 Euros como seu 3º pilar;
  • a governação do Mecanismo Europeu de Estabilização seja transferida das mãos dos Estados Membros para um enquadramento comunitário e se transforme assim num embrião de Fundo Monetário Europeu;
  • sejam revisitadas as iniciativas de 2012 sobre modalidades de gestão articulada da dívida dos Estados (Fundo de Redenção, Eurobonds ou, pelo menos, Eurobills);
  • o investimento estratégico nacional seja protegido na aplicação das regras do PEC, na aplicação dos fundos estruturais e no Plano Juncker;
  • haja ação urgente no combate às práticas de agressividade e evasão fiscal na UE que deslocam as receitas fiscais para paraísos, mesmo internos à UE;
  • alguns elementos de coesão social como a segurança no desemprego ou a portabilidade das pensões e o reconhecimento de competências sejam áreas abordadas a nível comunitário;
  • a coesão social e regional regresse ao centro da agenda europeia, em contraponto à dominação absoluta da convergência nominal.
  1. Concluo com a agenda estritamente nacional, o que, na prática, significa encontrar nos limites da contenção orçamental que nos interessa salvaguardar as margens que nos permitem refazer o tecido económico e social indispensável à sobrevivência do País.
a.   Foi exatamente neste espaço que se desenvolveu o trabalho liderado pelo Mário Centeno, que em boa hora o António Costa lançou, em torno do qual se desenvolveu o atual programa e no qual tive o gosto de poder participar.

b.   Porque uma outra importante lição do passado recente foi a de que temos de ser nós, portugueses, a avaliar os resultados de opções que não só aceitaram entusiasticamente as margens que nos foram impostas como as interpretaram de forma ainda mais estrita e dogmática. E, definitivamente, é (ou foi) contra os nossos interesses, eu diria é (ou foi) suicidário:

  • esmagar a procura interna a tal ponto que as PME sufocaram e o desemprego explodiu;
  • ter literalmente “enxotado” uma geração de jovens competentes para países que, precisando menos deles do que nós, os sabem estimar e acolher;
  • esmagar o investimento a tal ponto que o objetivo de aumento da produtividade fica esvaziado de conteúdo;
  •  destruir e desarticular a função pública num momento em que a regulação e supervisão das atividades privadas são cada vez mais exigentes;
  • destruir serviços públicos essenciais (como a saúde e a educação) e a relação de confiança entre os cidadãos e o Estado (veja-se o caso dos cortes nas pensões);
  • destruir a coesão social, empurrando idosos, crianças e uma massa de desempregados de longa duração para a exclusão enquanto a classe média se afogava entre aumentos de impostos e esmagamentos de receitas. Uma sociedade assim desigual não tem viabilidade.
c.      Queremos continuar nesta mesma senda? Porque já estamos habituados? Porque quando se bateu no fundo qualquer movimento é progresso?

d.     As margens que nos limitam não podem ser a nossa agenda! As margens são isso mesmo, os limites da agenda! E a agenda tem de ser o que pode ser feito e que corresponde ao nosso interesse como sociedade, sem violar essas mesmas margens.

e.     Nesta perspetiva, considero como elementos fundamentais no programa que o PS hoje apresenta aos portugueses algumas questões de método e outras de substância.

e1. De método: uma análise precisa e quantificada das alternativas de agenda dentro das “margens do possível”, numa saudável alternativa a dicotomias como as de um passado inicial (“só vamos cortar gorduras e, depois de eleitos, cortamos o que for preciso”) ou as de um passado mais recente, já posterior ao desastre (“continuamos como até aqui e temos fé que havemos de crescer”).

e2. De substância: a identificação, dentro das ditas margens, de prioridades que incluem:
·      o relançamento da economia centrada na revalorização e estabilização do mercado do trabalho;
·      a conjugação de diversos instrumentos de política para estimular o investimento privado, discriminando positivamente a inovação e a internacionalização, restituindo ao investimento público, e em particular o apoiado pela União Europeia, a importância estratégica que ele merece;
·      a revalorização do setor público e dos serviços públicos fundamentais num quadro de significativa reorganização e aumento de eficiência;
·      o restabelecimento de laços fortes de combate à exclusão e a reposição de mínimos de dignidade social.

f.      Podemos discutir, discordar, aperfeiçoar medidas concretas. Mas estes eixos fundamentais, dentro de um quadro europeu em que somos um parceiro responsável e com direitos legítimos e nunca alunos, funcionários ou súbditos, é claramente aquilo de que Portugal precisa para levantar a cabeça e conseguir enfrentar determinadamente o futuro!


g.     Com confiança, a confiança que a liderança de António Costa seguramente garante.

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