Thursday 28 January 2016

Que tal pararem de pôr numa carta perfeitamente burocrática e normal aquilo que gostariam que a Comissão Europeia tivesse dito?


O alarido que se instalou em Portugal sobre a carta que a Comissão Europeia enviou no dia 26 ao Governo a propósito do plano orçamental para 2016, em que muita gente prevê a sua rejeição, não tem sentido nem é sério.

Esta carta corresponde a um procedimento absolutamente normal e habitual no quadro das regras europeias: é um pedido de informações adicionais para a Comissão Europeia poder formar a sua opinião.

Nela, a Comissão confirma o que já se sabia: que até ao fim de 2015 Portugal não corrigiu o défice excessivo como estava previsto, e que este ano a correcção do défice estrutural não será de 0,6% do PIB, como recomendado.

A carta não contém qualquer pré-julgamento negativo, como se pode ver na reprodução em baixo. No fundo, o que a Comissão faz é pedir a Portugal para lhe dar boas justificações para poder levar ao Eurogrupo (ministros das finanças do euro) uma proposta de aumento das medidas de contenção do défice, ou até mesmo a aprovação do plano orçamental tal como está.

Não é só Portugal que está na situação de não proceder aos ajustamentos recomendados: os países que deveriam fazer um ajustamento anual de 0,5% do PIB não só não o estão a fazer, como estão a fazer muito menos.

Portugal também não o fez: segundo resultados provisórios relativos a 2015, a correcção do défice estrutural face a 2014 foi de apenas 0,1% do PIB. Mas o défice estrutural de Portugal já é muito mais baixo do que muitos outros.

Aquilo que neste momento preocupa a Comissão, e que eu percebo, é que Portugal deixe de fazer as correcções estruturais no seu défice, ou seja, que deixe de fazer o trabalho que está previsto para que, independentemente dos ciclos económicos, haja um equilíbrio estrutural das contas públicas e não um desequilíbrio que se transforme em rotina. Recordo que já no ano passado, a Comissão criticou o Governo de então por ter praticamente parado as reformas estruturais previstas.

É por tudo isto que estou convencida de que a Comissão olhará mais para o esforço de Portugal do que para os valores exactos.

Por isso, que tal pararem de pôr numa carta que é perfeitamente burocrática e normal aquilo que politicamente ou partidariamente cada um imagina que seria muito interessante para a sua agenda política que a Comissão tivesse dito?

 

 

 

 

 

 



2 comments:

  1. Muito obrigada pelo seu eloquente esclarecimento. Vou partilhar no facebook.

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  2. Trata-se de um procedimento absolutamente normal. Portugal submeteu um draft do seu plano orçamental para 2016, a Comissão pede alguns esclarecimentos numa base de diálogo construtivo.
    É trabalho! That"s all

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