Sunday, 19 June 2016

A hora das despedidas...

Os meus colegas tiveram a simpatia de organizar uma série de festas de despedida que muito me emocionaram. Deixo o registo de alguns destes momentos

A despedida do Grupo dos Socialistas e Democratas no PE (S&D)


 
 

 

 
 

A despedida dos meus colegas da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (ECON) de que fui um dos membros desde 2004 

 
























A excepcional equipa de conselheiros políticos do Grupo S&D na ECON:




Balanços na imprensa

O balanço da RTP...
http://www.rtp.pt/noticias/politica/elisa-ferreira-cumpre-ultimo-dia-de-trabalho-no-parlamento-europeu_v925019

... o da SIC...
https://www.facebook.com/siceuropa/?fref=nf

... e duas entrevistas ao Expresso:

a 4 de Junho de 2016:

"Falta uma solução europeia para o crédito malparado, tal como uma garantia comum de depósitos que a Alemanha tem estado a travar


Elisa Ferreira mudou-se para Bruxelas em 2004, onde assistiu à chegada de uma crise que veio mostrar que o “sector financeiro não se autorregula”


Elisa Ferreira vai deixar o Parlamento Europeu sem ver concluída a União Bancária. A eurodeputada do Partido Socialista diz que foram dados passos importantes para pôr de pé o mecanismo único de supervisão e o mecanismo único de resolução, mas faltam peças ao puzzle. É o caso da prometida garantia comum de depósitos, que salvaguarde de igual forma depositantes portugueses, alemães ou finlandeses. “Tenho feito o máximo de pressão, vamos ver onde é que as coisas acabam”, diz ao Expresso, salientando a necessidade de os grupos maioritários no Parlamento Europeu — Populares e Socialistas — “levarem a peito” o compromisso assumido com o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos. Um sistema que a Alemanha não quer e que, por isso, tem estado bloqueado. Elisa Ferreira, que sai a meio de junho para assumir o cargo de administradora no Banco de Portugal, mudou-se para Bruxelas em 2004, onde assistiu à chegada de uma crise que veio mostrar que o “sector financeiro não se autorregula”.
As regras e mecanismos introduzidos, nos últimos anos, aumentaram o nível de supervisão do sistema bancário e passaram a dar mais garantias de estabilidade. “Aliás, os grandes problemas que sofremos com a banca, e estou a referir-me em particular ao Banif, não resultam da aplicação da União Bancária”, defende, referindo-se a um banco apanhado entre a transição de legislações.

O caso Banif

Foi para evitar ser cobaia das novas regras de resolução — que entraram em vigor em janeiro deste ano — que o governo antecipou a venda do Banif. “Se não tivesse havido aquela gestão superapressada haveria aí um impacto que não era o que se queria”, diz a eurodeputada.
Esperar por 2016 levaria à possibilidade de imputar perdas aos depositantes acima de cem mil euros, que poderia provocar uma corrida súbita aos levantamentos e um “impacto com reflexos sistémicos”. 
Mas se o que aconteceu com o BES e o Banif se repetir com outro banco, a nova legislação será mesmo aplicada. “O que se pretende é que isso nunca venha a acontecer”, refere a eurodeputada que participou na construção legislativa do mecanismo único de resolução.
“Aquilo que se pretende é que haja estabilidade suficiente e, no fundo, capital suficiente nos bancos”, para que, em situação de crise, sejam os acionistas, outros credores e os grandes depositantes a pagar a fatura da resolução e não os contribuintes. 
Ao contrário do que aconteceu com o Banif, apanhado em situação de transição, quem empresta dinheiro aos bancos tem agora de estar “consciente dos riscos” e da nova legislação. 
“Há aqui uma mudança que vai no sentido certo mas que precisa de ser afinada, de maneira a que não haja efeitos perversos”, defende. 
Por afinar está também a questão do crédito malparado.
Para Elisa Ferreira, “uma União Bancária deveria ter também uma solução para os casos em que a acumulação de ativos de baixa rentabilidade precisa de uma intermediação”. 
Fala de uma plataforma comum onde esses ativos poderiam ser preparados antes de serem revendidos aos operadores, à semelhança do que se tem feito nos Estados Unidos.
“Para isso é preciso uma garantia de Estado, ou uma garantia, e depois a garantia vai reduzindo até se conseguir que os privados tomem conta de todos esses ativos e, no fundo, os revalorizem”, explica.
Sobre o que fazer com o crédito malparado português, prefere não especular. É um assunto que “tem de ser tratado com todo o cuidado”, diz.
A tese de um “banco mau” — que não seria propriamente um banco mas um veículo para colocar os ativos não produtivos — tem sido defendida pelo primeiro-ministro, António Costa, e também pelo governador do Banco de Portugal. Carlos Costa defendeu, esta semana, num artigo de opinião publicado no “Jornal de Negócios’” a necessidade de “um esquema público nacional e europeu que garanta a cobertura das necessidades de capital” e que poderia ser formado por uma garantia do “Estado e uma contragarantia do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).
“O MEE foi criado no contexto desta crise e é um embrião de qualquer coisa muito interessante”, refere Elisa Ferreira.
“Dizia-se em 2012 que o Mecanismo Europeu de Estabilidade poderia financiar diretamente o capital dos bancos”, lembra ainda. Uma possibilidade falada para quando a supervisão única estivesse operacional, o que veio a acontecer em 2014. No entanto, o MEE continua longe de ter este tipo de função. Por tratar-se de um mecanismo intergovernamental — em que os acionistas são os Estados-membros da moeda única — ‘não’ para bloquear todo o sistema.
“Isso é um dos elementos que é urgente ser reapreciado”, defende a eurodeputada socialista, sublinhando que no horizonte está a possibilidade de que venha a ser gerido por mecanismos europeus, o que permitiria “fazer política europeia”, sem estar dependente da chantagem potencial dos países acionistas. 
“Estava também previsto nos textos legislativos da resolução bancária que ele fosse um mecanismo de reforço do Fundo Europeu de Resolução”, acrescenta, e, nesse contexto poderia ter outras funções. Hipóteses que parecem para já distantes mas que para Elisa Ferreira não são necessariamente impossíveis. 
“Temos é de encontrar aliados e persistir”, conclui.


Susana Frexes
correspondente em Bruxelas
economia@expresso.impresa.pt


Caixa tem de ser rentável

Outra discussão que tem lugar no Parlamento Europeu diz respeito ao reforço de capitais dos grandes bancos. Elisa Ferreira é “muito a favor” deste reforço junto dos mercados, mas tem reservas. “Estar a pedir, num prazo muito curto, a todos os bancos que reforcem capitais pode transformar-se num processo muitíssimo caro”, defende, referindo-se ao caso das economias mais frágeis, com experiências de perda para os acionistas, de que é exemplo Portugal.
Noutras economias, a exigência poderia ser maior, desde que não fosse criado “um impacto assimétrico nos diferentes bancos, dos diferentes países”.
Já o caso da CGD tem um enquadramento diferente por tratar-se de um banco público. “Tem de associar as necessidades de capital da CGD a uma reorganização do modelo de negócio de modo a que ela se transforme num grande banco rentável e estruturante da economia”.

... e de 10 de Junho de 2016

Elisa Ferreira Eurodeputada do PS


“Temos que melhorar a pressão política na UE”


Elisa Ferreira abandona esta semana o trabalho como eurodeputada para assumir funções na administração do Banco de Portugal. Em entrevista ao Expresso, considera que os países do Sul deviam bater-se mais na Europa e que o Tratado Orçamental tem flexibilidades que devem ser aproveitadas.

Susana Frexes

Há um mandato que fica por cumprir, mas sente que sai com uma missão cumprida? 
Parcialmente, sim, porque foram anos muito difíceis. Sinto que demos passos muito importantes no sentido certo mas também tenho uma grande dose de frustração por não termos conseguido ir mais além.

E o que poderia mudar até ao final do mandato? 
A União Bancária está por terminar e um projeto desta complexidade meio feito é como um bolo meio cozido: não é algo de bom. Temos de a completar. E acho que iniciámos um dossiê muito importante que é colocar na agenda europeia a questão da fiscalidade das empresas, da fiscalidade das pessoas. E neste período em que se pede tanto esforço aos cidadãos e às pequenas e médias empresas é muito difícil alguém aceitar que há justiça quando multinacionais e grandes fortunas escapam, por via da globalização, ao contributo que deveriam dar para os orçamentos dos Estados.

Participou na criação do chamado Two Pack, que veio reforçar a questão da supervisão orçamental dos países.
Mas ela não estrangula mais do que ajuda? 
Não. Há um conjunto de textos que procuram tornar o Pacto de Estabilidade e Crescimento mais inteligente. E alguns elementos da flexibilidade que neste momento já começa a poder ser utilizada foram introduzidos aí. O Two Pack pretende ser uma alternativa àquele animal que nós conhecemos, que foi a troika, e que em termos de democracia, de respeito por todos os tratados só se justificaria num período de emergência.

Qual é a flexibilidade que ainda está escondida nos tratados? 
Há espaço para fazer uma coisa que, se for bem feita, pode ser útil que é haver um acordo entre financiamento europeu e reformas estruturais. Se utilizarmos partes do orçamento europeu para fazer uma reforma do sistema judicial ou da administração pública, é importante que o país tenha condições para dizer como é que quer fazer e para fazer uma negociação em equilíbrio com na CE.

Olhando para Portugal, consegue compreender porque se coloca a possibilidade de o país ser sancionado? 
Não faz sentido. O país fez um esforço brutal, excessivo.
E é difícil explicar aos cidadãos que depois deste esforço todo, devido à troika e a um governo que seguiu à risca as recomendações da Comissão Europeia, que a própria Comissão venha dizer que há lugar a uma sanção por não haver medidas suficientemente eficazes. A sanção a um país é uma violência.
Desde o princípio que sabemos que as primeiras violações do Pacto, pela França e pela Alemanha, não deram origem a qualquer sanção.

A Comissão pode recomendar uma sanção zero mas não pode travar o congelamento de fundos estruturais em 2017, caso haja um agravamento do procedimento por défice excessivo.
Acho gravíssimo e viola um sentido de justiça. Tenho muitas dúvidas sobre o interesse dessas multas, mas elas existem e podem ser aplicadas. Mas mais cedo do que isso, aparecerá, provavelmente, uma ameaça de fundos estruturais que só tem impacto nos países para os quais eles são importantes.
Aqui, no Parlamento, eu bati-me até à exaustão para que isto fosse rejeitado. E eu acho que em Portugal temos de começar a pensar no que são os interesses nacionais e tentar organizar de uma forma mais estruturada a pressão política na agenda europeia. Porém, sinto que às vezes a agenda dos países do sul não consegue vingar suficientemente nestas tomadas de posição onde o Parlamento tem um papel importante.

Ao longo dos anos, falou-se no seu nome para vários cargos em Portugal. Ser administradora no Banco de Portugal era um cargo que não poderia deixar de aceitar? 
Quando se está mais de dez anos num sítio, a partir de determinada altura a pessoa tem de se recolocar outra vez num ambiente que não seja o ambiente onde já é respeitada, conhece toda a gente, já tem uma certa reputação, e sente-se confortável. E este conforto às vezes baixa os níveis de exigência. Eu agradeço a confiança que estão a depositar em mim.

Em Portugal, faz falta que quem está em determinados cargos conheça como a Europa funciona? 
Sem dúvida. Não se pode trabalhar os dossiês em Portugal ignorando a dimensão europeia. Depois de ter feito toda a experiência de construção dos textos legislativos e da visão europeia também é importante ir ver se isto funciona como previsto e caso não seja assim, ajudar a construir os tais elementos que é preciso introduzir em todos esses processos.

12 anos no Parlamento Europeu chegam agora ao fim: balanços e reflexões

12 anos de trabalho enquanto deputada no Parlamento Europeu terminam amanhã, dia em que assumo um novo desafio no Banco de Portugal. É hora de fazer um balanço sobre este percurso que iniciei em 2004 e deixar algumas reflexões para o futuro.
Nenhum balanço poderá ser desligado do período absolutamente excecional que a UE tem vivido ao enfrentar a maior crise económica da sua História que é hoje considerada ainda mais grave do que a Grande Depressão dos anos 1930.
Ao longo destes anos, o PE cresceu muito em responsabilidade, influência e protagonismo. Dentro do PE, a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (ECON), que integrei desde que fui eleita eurodeputada pela primeira vez em 2004, foi absolutamente central: foi aí que foram trabalhados todos os textos legislativos de reação à crise que determinam, e determinarão, o que a UE é hoje e será no futuro.
Antes mesmo da crise já tínhamos aprovado na ECON uma série de textos legislativos para a regulação e supervisão dos mercados financeiros porque, como se veio a confirmar – com grandes custos para todos nós – a suposta auto-regulação do setor não existe.
Durante a crise, desenvolvemos na ECON todas as tentativas possíveis ao nível político para estimular o relançamento europeu, apesar de esta ser uma área de competência dos Governos dos Estados membros da UE.
O papel do PE foi bem mais incisivo e mais claro na revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) enquanto co-legislador dos textos legislativos mais conhecidos por Six Pack e  Two Pack. O mesmo aconteceu com o enorme pacote legislativo relativo à União Bancária que é, de facto, um complemento e um prolongamento da União Económica e Monetária (UEM).
Na ECON fui quase sempre a coordenadora – ou porta-voz - das posições dos deputados do Grupo dos Socialistas e Democratas europeus (S&D), o segundo maior do PE, por eleição dos meus pares.
Neste papel, coube-me antes de mais negociar e construir consensos entre as posições dos membros do S&D – que podem ser muito diferentes consoante o país de origem cada deputado – e, em paralelo, com os meus homólogos dos outros grupos parlamentares.
O facto de ter sido coordenadora do segundo maior grupo do PE, e de ter sido igualmente “relatora” (responsável pela negociação de vários textos legislativos dentro do PE e com o Conselho de Ministros da UE) ou relatora-sombra (representante dos socialistas na negociações internas no PE), permitiu-me participar na génese, nas negociações e nas decisões finais de todos os grandes textos legislativos aprovados ao longo destes anos.
Nestes dois papéis de coordenadora e de relatora sinto-me naturalmente co-responsável pelo que correu bem mas também pelo que correu mal.
Mesmo se tenho a satisfação de constatar que nós, socialistas, estivemos quase sempre do lado certo da barricada, a verdade é que o nosso papel, enquanto segundo grupo num PE em que a direita continua a predominar, foi sobretudo o de matizar e limitar os erros maiores ou mais graves da agenda dominante que e muito mais ideológica do que técnica ou científica.
Trabalhei pessoalmente até aos limites do que me era física e politicamente possível, participando em todo o processo da revisão do PEC em que se apontavam já algumas das dimensões de combate à agenda excessivamente austeritária imposta nos países mais frágeis e mais afectados pela especulação financeira.
Foi um processo legislativo absolutamente fundamental. Sem termos conseguido alcançar todos os nossos objetivos – tornar a governação económica efetivamente inteligente - conseguimos ainda assim introduzir alguns elementos de flexibilidade na aplicação do PEC que a Comissão Europeia tem vindo a utilizar.
Questionámos em permanência a agenda da austeridade imposta pela troika e mesmo a própria estrutura da troika, exigindo em permanência uma prestação regular de contas à CE, ao Eurogrupo, ao FMI e ao BCE.
Foi sem qualquer dúvida um período muito interessante mas também muito doloroso e penoso porque, limitados pelo nosso peso político de então, tivemos de conviver com uma agenda que não era de todo a nossa para a Europa.
Em 2011 - ano do arranque do programa de ajustamento em Portugal – e porque já questionávamos muito fortemente a qualidade das recomendações que estavam a ser feitas à Grécia, integrei uma “troika alternativa de contestação à agenda austeritária da troika oficial que se deslocou a Atenas precisamente para perceber no terreno os erros que estavam a ser cometidos.
Infelizmente, as nossas críticas estavam corretas: a lógica da austeridade assumida e imposta em toda a Europa sem qualquer mecanismo de reequilíbrio gerou uma recessão generalizada.
Apesar de a legislação do Six Pack prever explicitamente, no capítulo dos  desequilíbrios macroeconómicos, que os países com excedentes devem utilizá-los para dar energia e oxigénio à economia, ninguém, nem mesmo a Comissão Europeia, conseguiu impor o cumprimento desta regra.
Foram criados também alguns mecanismos que sem serem um orçamento europeu, poderão vir a constituir o seu embrião, como o Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM).
Também acompanhámos de perto, apoiámos e incitámos o BCE a agir no limite do seu mandato com as intervenções sobre a dívida soberana que permitiram, finalmente, acalmar a especulação.
No fim de todo este processo penso que houve passos na direção certa. Mas não chegam.
Enquanto grande teste à união monetária, a crise teve pelo menos o grande mérito de exibir as lacunas e fragilidades que persistem na arquitetura da UEM e que precisam de ser rapidamente corrigidas, sob pena de todo o projeto ficar ameaçado de desmoronar.
É preciso, e espero que assim aconteça, que o impulso que começou a ser dado em 2012, e que se consolidou nalguns textos importantes de referência, prossiga de forma a permitir corrigir estas lacunas.
Originalmente a União Monetária era um projeto mais completo do que aquele que acabou por ser construído e permanece assim hoje incompleta em várias dimensões, nomeadamente no que se refere à construção progressiva, tal como previsto, de um orçamento específico para a UEM  para servir como mecanismo de relançamento económico e de estímulo à economia em caso de grande crise num ou mais países e de promoção da convergência estrutural. Por muito que a teoria neo-clássica dissesse o contrário não há nenhuma mão invisível que crie esta convergência. Pelo contrário, as disparidades aumentam permanentemente num clima de concorrência perfeita e onde muitos dos instrumentos de estabilização ficam por definição anulados.
Sempre soubemos que havia um sério risco em avançar para uma União Monetária entre economias tão diferentes. Mas tínhamos uma promessa de que os objetivos da competitividade e da coesão seriam as duas faces da mesma moeda e que se manteriam enquanto objetivos estáveis.
Tínhamos também a promessa política de que aquilo que se fosse notando que faltava ou que se desviasse do rumo da competitividade e da coesão, e que precisasse de ser completado no processo de construção ou de funcionamento da Moeda Única, o seria. Todo o edifício foi construído na base de uma vontade política de fazer dele um projeto de sucesso.
Ora a partir de determinado momento, com o alargamento da UE aos países de Leste e com a globalização - elementos que não estavam previstos - a vontade política para corrigir o que não estava a dar os resultados previstos ou para completar o que estava em falta, deixou de existir sobretudo por parte de quem estava beneficiar individualmente com a situação.
O problema é que se este projeto não for rapidamente revisitado e completado, poderá transformar-se num enorme insucesso.
Uma outra dimensão em que trabalhámos em profundidade na ECON foi a da regulação e supervisão dos mercados financeiros e da constituição das peças legislativas e da arquitetura institucional do projeto da União Bancária.
Antes disso, já tinha participado nos combates anteriores à crise, em 2006, sobre os riscos sistémicos que lhe estavam associados. Aqui, os socialistas anteciparam-se com uma quantidade de iniciativas, por exemplo sobre os riscos sistémicos dos hedge funds e private equity, ou seja, produtos financeiros de transparência praticamente inexistente. Na altura a ideia dominante era a de que os mercados financeiros se auto-regulariam por exemplo com códigos de conduta. A realidade foi outra, como vimos, com a acumulação de riscos a vários níveis e sem qualquer controle que esteve na origem do rebentar da grande bolha dos mercados financeiros e do sector imobiliário. As consequências são bem conhecidas...
Sem regulação e supervisão adequadas por parte dos supervisores nacionais, os mercados financeiros explodiram com a globalização.
Em 2008/2009, com a realidade a contestar a teoria predominante da auto-regulação, houve uma mudança súbita de agenda. A ECON esteve no centro de todos os textos legislativos ou quase todos - do lado europeu - para regular e supervisionar os mercados europeus. MIFID, MIFIR, EMIR, CRD3, CRD4, são apenas alguns exemplos de um vasto conjunto de novas normas destinadas a limitar os riscos nos mercados financeiros.
Dentro deste grande corpo da regulação e supervisão, a União Bancária ganhou uma aceleração específica, tornando-se no projeto talvez mais emblemático, mais importante e possivelmente mais consensual em termos políticos que era preciso desenvolver para reforçar a União Económica e Monetária.
Seria muito importante que não acontecesse relativamente à União Bancária aquilo que parece ter acontecido com a UEM, ou seja, que se complete a parte em que os Estados aceitam delegar para o nível europeu, num enorme acto de confiança, responsabilidades vitais de supervisão e dos processos de resolução de bancos, sem que o nível europeu assuma por seu lado as garantias de estabilidade que que são a contrapartida da delegação de competências.
O projeto está incompleto e precisa por isso de ser acompanhado, monitorizado e afinado com o maior cuidado de forma a gerar os resultados pretendidos e não outros diferentes. E o resultado que se pretende é, por um lado, que os contribuintes não sejam forçados a funcionar como acionistas suportando as perdas dos bancos em tempos de crise, quando ficam ausentes do processo em período de boom económico quando os bancos distribuem lucros pelos seus acionistas.
Houve aqui uma estratégia de reequilíbrio entre bailout e bail-in, que está essencialmente expressa na legislação mais conhecida por BRRD e na nova arquitetura de constituição de um fundo comum de resolução financiado pelos bancos para ser utilizado em caso de crise e de um sistema também comum de supervisão.
A BRRD, que foi negociada a grande velocidade, contém, a meu ver, elementos que precisam de ser revistos - há uma revisão prevista para 2018 mas convém começar desde já esta reflexão.
Toda esta arquitetura foi concebida, negociada e aprovada entre 2012 e 2014, o que é de facto um ritmo aceleradíssimo para o nível de sofisticação e para a profundidade daquilo que está em causa.
Lamentavelmente este projeto não está completo - falta nomeadamente o backstop (rede de segurança financeira) para o fundo único de resolução – de forma a garantir que existe dinheiro suficiente, se necessário, para operacionalizar a resolução de um grande banco. Dinheiro este que é emprestado ao fundo para ser reembolsado pelos bancos.
Falta também todo o processo de estabilização dos depósitos bancários inferiores a 100 mil euros. Uma arquitetura de união bancária com regras comuns para a supervisão e para a resolução dos bancos, mas com garantias diferentes para os depósitos consoante o país onde o banco está instalado não faz qualquer sentido e é totalmente incompreensível. Tanto mais que a União Bancária também tem por objetivo garantir um bem público que é a estabilidade e a confiança no sistema financeiro.
O facto de faltarem peças nesta arquitetura, e o facto de não estar a ser possível afinar os instrumentos que já estão operacionais, pode gerar efeitos completamente contraproducentes e imprevistos. Isto tem de ser evitado a todo o custo porque seria gravíssimo que um projeto que já está constituído na parte mais difícil fique bloqueado  na parte da garantia comum dos depósitos, porque este bloqueio vai criar desequilíbrios brutais e comprometer a viabilidade das outras partes que já estão construídas (supervisão e resolução).
Não há que ter dúvidas: enquanto estiver a meio caminho, este projeto pode ruir completamente.
Um último dossier absolutamente essencial e a que dediquei grande energia é o do combate à fraude e evasão fiscal. O debate foi aberto pelo PE e em particular pelo S&D já em 2012 com uma campanha contra os paraísos fiscais: “No to tax havens”. A verdadeira mobilização do PE só aconteceu, todavia, com o escândalo das revelações das estratégias de evasão fiscal das grandes multinacionais, com a cumplicidade e mesmo ativismo de vários Governos da UE, que ficou conhecida como LuxLeaks.
Foi de facto o PE que pôs na agenda da UE a urgência de rever a prática da concorrência fiscal agressiva praticada por alguns Estados e mesmo de rever os Tratados da UE para acabar com a unanimidade nas decisões fiscais no Conselho da UE que impede quaisquer progressos nesta área.
Permitir que algumas empresas operem de forma concorrencial num mercado, ficando ao mesmo tempo praticamente isentas de pagar impostos pelo facto de explorarem os desajustes que as várias legislações combinadas permitem, é inaceitável. Isto equivale a conceder a estas empresas ajudas públicas no valor dos impostos que deixam de pagar.
Ora, sendo as ajudas públicas proibidos pelo direito europeu porque distorcem a concorrência, como é que um perdão de contribuições devidas ao Estado equivalentes a um subsídio é considerado uma prática aceitável?
Sobretudo em período de grande crise económica e orçamental, estes desequilíbrios geram uma injustiça insuportável ao permitir que a carga das contribuições para os orçamentos nacionais seja totalmente ou quase totalmente colocada sobre os ombros das PME e dos contribuintes individuais, que, por definição, têm muito mais dificuldade em operar nos mercados internacionais.
O facto de, em paralelo, as grandes fortunas também se distanciarem do fisco nacional ao estacionarem” em paraísos fiscais completamente opacos, agrava ainda mais essa situação de injustiça.
A verdade é que as grandes empresas e as grandes fortunas estão praticamente isentas de impostos, enquanto que os que vivem do seu trabalho e as pequenas empresas são oprimidos com uma carga fiscal insuportável. Esta situação também prejudica os Estados que optam por não seguir uma política de agressividade fiscal como alguns dos parceiros.
Esta questão foi colocada de forma muito clara durante este último mandato no PE, resultando num relatório - de que fui co-autora - com recomendações muito concretas e claras à Comissão Europeia sobre como acabar com esta situação.
Os Estados têm de permanecer sob pressão política para deixarem de fazer da concorrência fiscal agressiva um negócio em que oferecem vantagens extraordinariamente competitivas e opacas às empresas, capturando a matéria coletável dos países que são parte da mesma União Monetária, do mesmo projeto político e do mesmo mercado interno.

Nenhum dos projetos em que participei ativamente estes últimos doze anos no PE está neste momento completo. Todos precisam de ser monitorizados, avaliados, completados e afinados. Esperemos que assim seja, para bem do projeto europeu.